(*) Por Marcus dos S. Mingoni
Um breve olhar sobre o dia a dia de nossas crianças e adolescentes mostra que a realidade atual é completamente diferente daquela vivida nas décadas de 1970 e 1980, quando se tinha apenas um par de sapatos para ir à escola e outro para “passear”. Os brinquedos se resumiam a bolas, bonecas e jogos de tabuleiro. No mais, eram brincadeiras e atividades ao ar livre, nas quais a criatividade era mais uma necessidade do que uma habilidade. Não havia computador, internet, TV a cabo, videogame, celular e iPod. O acesso à informação e as opções de consumo cresceram de forma exponencial e, para temperar tudo isso, as estratégias de marketing estão cada vez mais agressivas e bombardeiam os jovens, que certamente não estão preparados para essa overdose de estímulos de consumo de uma infinidade de produtos e marcas.
Esse contexto, aliado a outros fatores sociais, tem proporcionado profundas transformações nos valores familiares e na maneira pela qual os filhos modernos se relacionam com seus pais. A demanda para os adultos de hoje é muito mais frequente e intensa. Os pedidos são feitos a todo instante, desde a roupa que “precisa” ter o desenho daquele personagem até o tênis de determinada marca que custa mais que um salário mínimo. Isso sem falar nos brinquedos, jogos, celulares e apetrechos tecnológicos que parecem ficar obsoletos a cada semana, gerando sensação crescente de insatisfação e novos pedidos de consumo. Duas perguntas emergem desse quadro de maneira nítida: como administrar essas demandas que pressionam os pais em uma velocidade incrível e como ajudar a preparar os filhos para que se tornem cidadãos e consumidores conscientes, responsáveis, com visão crítica da realidade e conhecedores dos impactos de suas decisões.
Uma importante ferramenta é a famosa mesada. Se bem planejada e aplicada, pode ser um instrumento muito útil no processo de educação, conscientização e amadurecimento dos filhos. Entretanto, o alerta é que o tiro pode sair pela culatra, caso o processo não seja bem administrado e monitorado. Antes de tudo, é fundamental que os filhos que receberão alguma quantia a título de “mesada” ou “semanada” sejam envolvidos no orçamento familiar, com nível de detalhamento proporcional a cada faixa etária. Para crianças muito novas não faz sentido falar de valores de renda e despesas, mas já é possível explicar que é preciso trabalhar “duro” para ganhar dinheiro e comentar sobre os principais itens do orçamento que necessitam ser atendidos.
O primeiro passo na hora de propor a mesada é definir os combinados de utilização. O valor deve levar em consideração a idade da criança ou do adolescente e a condição econômica da família, para que fique dentro de uma lógica no seu contexto social e ambiente de convivência. A periodicidade também pode levar em conta a faixa etária. Para as crianças menores, é mais fácil administrar quantias a cada semana. Na medida em que ela cresce, pode-se alongar a periodicidade, pois o desafio de gerenciar intervalos mais longos será parte do aprendizado. Antes ainda de dar os primeiros reais a seu filho, uma dica que costuma ser útil é fornecer alguns cofrinhos, cada qual com um significado diferente, para que a criança possa dividir o valor recebido. Uma sugestão inicial é ter um cofre para guardar o valor que será utilizado para o consumo imediato, outro para juntar economias durante certo período, permitindo a aquisição de algo que se deseja, aquele destinado a doações e um último para poupança no banco.
A estratégia dos cofrinhos será uma ótima oportunidade para conversar com seu filho a respeito de conceitos como planejamento, disciplina e caridade. No quesito poupança, os pais ainda podem estimular a criança criando regras de aporte conjunto, por exemplo, a cada real que a criança poupar o pai se obriga a contribuir também com mais um real. Para a estratégia realmente funcionar, são necessários alguns cuidados operacionais. Abra efetivamente uma conta poupança em nome do seu filho, mostre os extratos e explique os rendimentos. Isso dará concretude ao processo. Planejar o momento de entregar a quantia periódica também é importante. Tenha em mãos o dinheiro trocado para facilitar a organização da criança. Outro detalhe relevante é buscar informações em sua comunidade sobre instituições que possam receber as doações de seu filho.
Existem mais alguns aspectos importantes que devem ser explicados na hora de definir os combinados. Informe que não haverá antecipações e empréstimos. Imagine como seria trágico o futuro financeiro de uma criança acostumada a se endividar com a própria mesada. Explique os itens que você espera que sejam consumidos com a mesada. Sugira, mas não interfira na decisão final. A liberdade de escolha faz parte do processo de aprendizado. Se a criança gastou tudo em figurinhas e faltou dinheiro para o doce, a ideia é justamente que ela aprenda a lição. Outra estratégia interessante é vincular a entrega do valor ao cumprimento de tarefas domésticas (arrumar o quarto, ajudar com a louça etc.). Isso contribui para o desenvolvimento do senso de responsabilidade e começa a demonstrar que é preciso esforço para conquistar dinheiro.
Os pais são exemplos de consumidores e poupadores para os filhos; atitudes coerentes são indispensáveis para que as crianças se sintam encorajadas a seguir as orientações paternas. Os filhos devem ser inseridos na realidade econômica da sociedade, sempre respeitando os limites naturais de compreensão de cada idade.
Comente sobre comerciais na TV e notícias econômicas relevantes. Esse ambiente contribui para que nossos filhos tenham noção das dificuldades que existem para conquistar as coisas e auxilia na formação de um espírito consciente e crítico com a realidade que nos cerca. A conclusão é que a mesada pode ser um instrumento extremamente rico, no sentido de permitir o desenvolvimento de valores como planejamento, organização, disciplina, caridade e consumo consciente, além de ajudar a preparar nossos filhos para tomar decisões tendo em perspectiva as reais consequências de seus atos. Pode dar trabalho, mas nesse investimento o retorno é muito compensador!
Referência bibliográfica: ALVIM, Marcelo Arantes; SOARES, Fabrício Pereira. Lar S.A. Você e sua família na rota da prosperidade. São Paulo. Editora Saraiva, 2007.
(*) Graduado em Administração de Empresas pela FGV, com MBA Executivo em Finanças pelo Ibmec, Marcus Mingoni é Diretor de Operações da Divisão de Sistemas de Ensino da Saraiva (www.sejaetico.com.br / www.souagora.com.br)
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