segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

PORTAL IMPRENSA ENTREVISTA COM O JORNALISTA DALTON MOREIRA

Militares conversavam com o repórter, não com o veículo de comunicação", diz Dalton Moreira
Por Ana Luiza Moulatlet/Redação Portal IMPRENSA 26/01/2009 17:44
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Jornalista há 30 anos, Dalton Moreira conta que começou na profissão "por acaso". Acaso este que lhe rendeu inúmeros "furos" durante sua carreira, como a divulgação de que os militares estariam preparando a Serra do Cachimbo, entre o Pará e o Mato Grosso, para fazer testes nucleares, e uma entrevista com o brigadeiro Hugo Piva relatando como ele ajudou Saddam Hussein, ex-presidente do Iraque, a fazer mísseis que poderiam atingir Israel.
Um dos únicos profissionais a ser recebido pelos militares nas décadas de 80 e 90, Moreira explica que a relação com eles era complicada, por todos eram "extremamente desconfiados". Segundo ele, o off era uma situação normal. "Eles conversavam com o repórter, e não com o veículo de comunicação".
O repórter mantém atualmente um jornal em Taubaté, interior de São Paulo, chamado In OFF, e está prestes a terminar um livro sobre a Serra do Cachimbo. "Um bom depoimento jornalístico é ótimo pois quem vivenciou o fato conhece como ninguém o assunto", afirma.
Portal IMPRENSA - Conte um pouco de sua trajetória profissional e como você começou no jornalismo.
Dalton Moreira -
 Sou jornalista por acidente, por acaso. Comecei em setembro de 1976 como revisor no jornal A Tribuna (Taubaté). Depois fui para outras publicações. Em 1978 estive no jornalAgora (regional) e, em 1979, no ValeParaibano. Em 1983 comecei na Folha de S.Paulo como correspondente em Taubaté, onde fiz a capa da Ilustrada com as últimas cartas inéditas de Monteiro Lobato. Posteriormente fui montar a sucursal da Folha em São José dos Campos. Depois fui para Brasília e voltei para São Paulo. Sempre cobrindo área militar e Polícia Federal. Depois que saí daFolha, logo após a cobertura do afundamento do Bateau Mouche (em 89) fui para O Globo, rádio Jovem Pan, Correio Popular, Veja, Gazeta do Paraná. São mais de 30 anos de profissão. Atualmente tenho um jornal: o In OFF. Meu grande sonho era ser escritor. Não dava. Virei repórter.
IMPRENSA - Você está escrevendo um livro sobre o sua reportagem na Folha de S.Paulo sobre a Serra do Cachimbo. Conte a história e fale um pouco sobre a obra. 
Moreira - 
O título provisório é "A História Secreta da Bomba Nuclear Brasileira". No dia 8 de agosto de 1986, a Folha estampava a seguinte manchete: "Brasil prepara local de teste nuclear". Na história do jornal foi seu único furo de repercussão internacional. Nunca ninguém soube quem foi o responsável pelo levantamento da reportagem que; somente o diretor de redação na época, o Otávio Frias Filho, e o publisher Otavio Frias de Oliveira tinham ciência. Acontece que houve - pro razões de segurança - um acordo para que o nome do repórter fosse preservado. Esse segredo estava sendo mantido até hoje, quando resolvi contar para todos os fatos que nunca foram revelados pelo jornal durante a série de reportagens publicadas.
IMPRENSA - E por que você decidiu contar que você foi o responsável pela reportagem?
Moreira -
 Muitos vão se questionar porque somente agora. Um bom depoimento jornalístico é ótimo pois quem vivenciou o fato conhece como ninguém o assunto. Isso que estou falando surgiu de uma idéia do jornalista Ricardo Júlio num almoço que tivemos. Ele perguntou: "Por que você não escreve um livro sobre Cachimbo? Isso vai ser bom para para os jornalistas mais jovens e também para que saibam quem é você. É história quer você queira ou não". Comecei a fuçar meus arquivos e a digitar tudo que vinha, aleatoriamente. Seria leviano se não o fizesse e em nada contribuiria para o jornalismo investigativo.
IMPRENSA - Você como repórter especial da Folha nos anos 80 e 90 era um dos poucos jornalistas recebido por militares, num período em que a sombra da ditadura ainda era muito presente. Como era ter essa relação com eles?  
Moreira -
 Sim. Por todos. Até o general Octávio Aguiar de Medeiros do então SNI (governo Sarney). Uma relação complicada. São extremamente desconfiados. Mas diferem dos políticos em tudo. Conversam com o repórter e não com o veículo de comunicação. O off é situação normal.
IMPRENSA - Você começou sua carreira em São José dos Campos e agora retorna para o interior do estado. Qual a diferença de se fazer jornalismo nas grandes capitais e no interior? Como é lidar com fontes e imparcialidade em um lugar pequeno?
Moreira -
 O interior é horrível. Não respeitam o profissional, e as fontes em geral não são confiáveis. Não aconselho ninguém a trabalhar por aqui.
IMPRENSA - Como você avalia a situação do jornalismo investigativo no Brasil hoje?
Moreira -
 Não dá para avaliar legal. Acabou. Eu fazia muito isso. Hoje não temos mais espaço. A focaiada emburrecida é mais útil. Tenho muitas histórias sobre indústrias bélicas que hoje morreram.



E TEM MAIS PAROVEITERM ESSSE LINK E ACESSEM O VÍDEO DO JORNALISTA DALTON MOREIRA NO RODA VIV da tv cultura




e curtam  a entrevista também 

 [Programa gravado]
Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva. Este programa é transmitido pelas TVs educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santos, Mato Grosso do Sul, Bahia, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É ainda retransmitido pela TV Educativa, do Ceará. O convidado do Roda Viva desta noite é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Francisco Rezek. Para entrevistar o ministro Francisco Rezek no Roda Viva nós convidamos os seguintes jornalistas: Alex Solnik, repórter do jornal Folha da Tarde; Dalton Moreira, repórter especial da sucursal paulista do jornal O GloboSergio Rondino,  editor de política do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), Mauro Chaves, comentarista político da rádio eldorado e editorialista do jornal O Estado de S. Paulo, Izalco Sardenberg,  editor de política da revista Visão; Rodolfo Konder, editor chefe do jornal da Cultura; Carlos Tramontina, editor e apresentador do jornal Bom dia, São Paulo, da TV Globo; e Marcelo Beraba, editor de política do jornal Folha de S.Paulo. Na platéia, assistem ao programa convidados da produção. O advogado José Francisco Rezek nasceu em Cristina, MG e tem 45 anos. Antes de chegar ao Tribunal Superior Eleitoral, Rezek foi procurador da República em 1972 e assessor do ministro Leitão de Abreu [(1913-1993) ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro] no governo do general João Figueiredo [(1918-1999), foi o último presidente do regime militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985]. É um dos mais jovens membros do Superior Tribunal Federal e hoje tem a responsabilidade de comandar a primeira eleição presidencial do país, realizada em dois turnos e a primeira eleição nos últimos 29 anos. Boa noite, ministro.
Francisco Rezek: Boa noite, Jorge Escosteguy.
Jorge Escosteguy: A questão da propaganda eleitoral, nós tivemos, na semana passada, algumas manifestações, principalmente do Dentel [Departamento Nacional de Telecomunicações], que andou fazendo um rastreamento das emissoras de rádio e televisão para ver se o tempo estava sendo distribuído igualmente entre os dois candidatos ao segundo turno. Um dos últimos rastreamentos feito pelo Dentel, por exemplo, apontou que a TV Globo estaria dando 64% de tempo para o candidato Fernando Collor e 36% ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Ao mesmo tempo, os órgãos de comunicação, de certa forma, contestaram essa atitude dizendo que não caberia ao Dentel pautar ou se intrometer na edição dos jornais. O senhor, como ministro responsável pela lisura dessa eleição, como vê essa questão envolvendo os meios de comunicação e essa fiscalização do Dentel em relação ao tempo dos candidatos?
Francisco Rezek: Na realidade, Jorge Escosteguy, o que o Dentel fez foi atender um pedido do corregedor geral eleitoral, o ministro [do Tribunal Superior Eleitoral] Bueno de Souza, no sentido de proporcionar a ele alguma informação sobre o balanceamento, sobre a distribuição do tempo que as emissoras de televisão e rádio, em geral, oferecem à cobertura da campanha dos diversos candidatos neste segundo turno. O Dentel, portanto, não faz mais do que isso: informar ao corregedor. Sobre o propósito do próprio corregedor, não é, naturalmente, o de impor – ele até este momento não tomou nenhuma atitude que possa ser interpretada nesse sentido –, não é o de impor um rigor milimétrico a quem quer que seja num exercício de um trabalho jornalístico que implica, necessariamente, um exercício de uma série de liberdades. Entretanto, o corregedor parecia preocupado com a idéia de fazer com que o Tribunal dispusesse de informações sobre o modo que o tratamento televisivo está dando, sobretudo às duas candidaturas, à conta de que ele é constantemente fustigado com postulações, reclamações, representações de partidos. Então, não faltaria nas mãos dele, eventualmente, se já ali não estivesse uma eventual reclamação relacionada com a tese que sempre se levanta em campanhas eleitorais do abuso de poder econômico. E é para documentar se em torno daquilo que poderia trazer, se necessário ao Tribunal, melhor informação sobre reclamações recíprocas que o corregedor buscou, no Dentel, essa ajuda. Mas nem o Dentel exerceu qualquer forma de atitude que pudesse ser confundida com censura ou monitoramento, nem o corregedor responsável pela coleta desses dados fez qualquer uso que possa ser interpretado qualquer sentido...
Jorge Escosteguy: [interrompendo] Seria mais por uma questão preventiva, se alguém for levar alguma reclamação?
Francisco Rezek: Exato. O corregedor quer ter [esses dados] nas mãos para oferecer ao Tribunal, se isso for necessário um dia, uma informação mais aprimorada sobre a cobertura da campanha.
Jorge Escosteguy: Marcelo Beraba, depois o Mauro Chaves.
Marcelo Beraba: De qualquer maneira, me parece que há um contraste entre essa tentativa de se municiar e que, na verdade, resultou também no encontro, na reunião de representantes de jornais com o comportamento do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] no primeiro turno, que se pautou basicamente na garantia da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, o senhor não acha que há algum contraste, algum nível de...?
Francisco Rezek: Não, não há. As coisas se passam, neste momento, no domínio da Corregedoria Geral Eleitoral que é um setor do Tribunal a cargo de um dos dois membros oriundos do Superior Tribunal de Justiça. Não houve nenhuma atitude compulsiva, não houve ordem, proibição, imposição ou sequer sugestão de qualquer natureza. O corregedor ficou no domínio do convite que foi aceito por algumas entidades e não foi aceito por outras - no livre exercício da sua prerrogativa de não aceitar convites - e a intenção é meramente informativa, já que estamos numa fase em que a campanha se bipolariza, em que as coisas se tornam um pouco mais dramáticas do que no primeiro turno. Não tendo havido qualquer repercussão que possa ser considerada como contrastante com o passado imediato do Tribunal Superior Eleitoral.
Marcelo Beraba: O senhor apóia, portanto, a ação do corregedor?
Francisco Rezek: O corregedor tem uma competência própria que é dada pelo seu regimento e nada me autoriza, em caráter oficial ou em caráter pessoal, a entender que essa competência não esteja sendo corretamente exercida.
Jorge Escosteguy: Mauro Chaves, por favor.
Mauro Chaves: Ministro, o senhor ainda há pouco mencionou a expressão abuso do poder econômico. A legislação eleitoral brasileira é muito preocupada com o abuso do poder econômico. Só que os dispositivos dessa legislação que pretendem restringir o poder econômico não têm sido muito eficazes na prática. Por exemplo, a legislação impede a contribuição de pessoas jurídicas; a legislação estabelece limites para a contribuição de pessoas físicas; a legislação impede outdoors; estabelece condições específicas... Os outdoors só poderem ser colocados em lugares onde haja condição de colocar cartazes de todos os candidatos, etc. A gente percebe que isso não é, realmente, fiscalizado. Por exemplo, as contas bancárias que são divulgadas para que se façam contribuições espontâneas, elas propiciam contribuição sem nenhum limite, as coletas de rua que são anunciadas também na programação propiciam contribuição sem limite. Como a Justiça Eleitoral encara esse descumprimento da legislação?
Francisco Rezek: Existem certas atitudes que são insuscetíveis de uma verificação ou apuração no domínio da contribuição não peculiar como, por exemplo, outras formas de ajuda ao candidato que são não dedutíveis de maneira contábil, no domínio contábil. Isso aí é algo que permite alguma espécie de contorno aos limites estritos da legislação eleitoral com freqüência. Há outros fatos que podem ser conjugados com a nossa prática judiciária e com os nossos costumes. Por exemplo, nunca se censura a contabilidade de uma instituição benemerente, de uma instituição vocacionada por algum motivo para receber fundos públicos se ela contabiliza, no ativo, doações de rua, doações coletadas de tal maneira que se torna impossível identificar aqueles pequenos doadores, cujo somatório pode produzir uma soma mais densa, nunca uma coisa de expressão fabulosa, mas somas densas que poderiam resultar de pequenos números financeiros recolhidos na rua. Tudo isso é legítimo, aparece como, em princípio, legítimo. E sucede que a própria idéia do abuso de poder econômico é muito difícil de ser deduzidaa priori, é muito difícil definir por antecipação o que seja o abuso do poder econômico. Nós dependemos, inevitavelmente, da casuística de que aconteça o fenômeno e de que alguém contra ele proteste e que o Tribunal, no exercício da sua função, inicie...
Mauro Chaves: [interrompendo] A conta bancária divulgada é legal?
Francisco Rezek: Sim, a conta bancária divulgada é legal. Agora, quanto à conta bancária, os depósitos são identificados, quer dizer, a instituição bancária conhece a identidade do depositante. Mas eu me refiro às contribuições anônimas coletadas na rua, por exemplo. Essas também são contabilizáveis no ativo, apesar do anonimato daqueles pequenos contribuintes, na medida em que se presuma que isso aí não vai gerar quantias fabulosas no ativo de qualquer partido ou campanha. Agora, eu me referia, sobretudo, à questão da definição prévia do abuso do poder econômico que é muito difícil. Não há um limite relacionado com gastos de campanha na atual legislação brasileira. Pode ser que o Congresso se anime a fazê-lo um dia. Hoje isso não existe. O resultado é a conclusão, é a convicção que uma campanha cara não é necessariamente abusiva do poder econômico. E os poucos exemplos de processo por abuso de poder econômico que chegaram a termo no âmbito da Justiça Eleitoral no passado recente do país - numa época, portanto, em que as eleições não eram tão freqüentes e não envolviam, sobretudo, uma campanha presidencial -, mas foram exemplos bem indicativos de que a questão do abuso não tem tanto a ver com as somas, mas têm a ver com a metodologia do emprego dessas somas. O célebre caso de exclusão de um candidato à campanha parlamentar anos atrás está relacionada exatamente com isso. A oferta de bens de consumo elementar para pessoas extremamente pobres, [tais] como o leite, em troca de votos, assumidamente em troca de votos...
Jorge Escosteguy: Foi um candidato em Brasília, ministro?
Francisco Rezek: Foi, exatamente, e não se cogitou, veja bem, não se cogitou de que aquilo pudesse ter uma expressão faraônica quanto às cifras, talvez fossem somas moderadas. Mas a maneira de fazer uso delas, o aproveitamento das carências elementares de uma faixa muito pobre da população para fins eleitorais, isso foi então caracterizado como abuso do poder econômico. É, portanto, algo que se relaciona mais de perto com a metodologia do emprego de dinheiro do que com valor absoluto desse dinheiro.
Mauro Chaves: E outdoors?
Francisco Rezek: A proposta de outdoors... A lei deste ano, que tem a qualidade de lei ordinária revocatória - portanto, daquilo que com ela se antagoniza como sendo mais antigo - ela estabelece um regime que pareceu, para alguns, liberatório de padrões mais severos do passado. Porque ela foi clara em dizer que, na propriedade privada, toda forma de propaganda visual é lícita. O que reclama gratuidade e distribuição igualitária é o outdoor em lugares dependentes da concessão pública e, naturalmente, em lugares de propriedade pública, em lugares do domínio público. Uma das evidências da observância dessa proibição é o fato de que em Brasília não se vêem outdoors. Porque quase tudo que ali existe dos dois lados de cada rua é terreno público, conhecemos muitos poucos espaços caracterizados de propriedade privada.
Mauro Chaves: Em São Paulo, os outdoors particulares nas avenidas estão liberados, portanto?
Francisco Rezek: A lei não os proíbe em absoluto, ele é clara em dizer que só em propriedade pública não se pode.
Jorge Escosteguy: Sergio, por favor.
Sergio Rondino: Ministro, eu queria voltar um pouquinho ao o assunto anterior, em relação à cobertura que a imprensa dá na campanha, eu queria a sua opinião sobre uma coisa que me parece bastante clara. Normalmente, existem candidatos que sabem ser notícia e existem candidatos que não sabem ser notícia, evidentemente o que sabe ser leva vantagem. No momento, nós temos, nessa campanha, o candidato que fala até demais e outro que não fala nem embaixo de tortura, vamos dizer assim, se recusa a dar entrevistas. Como a imprensa pode, numa situação dessa, buscar um equilíbrio artificial do noticiário, não me parece meio de difícil?
Francisco Rezek: Parece-me difícil, me parece realmente difícil e penso que, em nenhuma hipótese, qualquer forma de jornalismo idôneo, profissionalmente idôneo que assim seria reconhecido pelas pessoas de boa fé, não sofre qualquer ameaça, nunca esteve perto de sofrer qualquer ameaça por parte do organismo judiciário que cuida da campanha.
Jorge Escosteguy: Carlos Tramontina, por favor.
Carlos Tramontina: Ministro, os jornais publicaram esta semana várias declarações do senhor sobre as apurações paralelas dos veículos de comunicação nesse segundo turno. Afinal, qual é a posição oficial do TSE, como vai ser o comportamento TSE em relação à apuração paralela, a contagem de votos em veículos de comunicação?
Francisco Rezek: Carlos, essa questão foi meditada pelo tribunal por mais de uma vez. A apuração paralela é uma perspectiva que se abre aos partidos políticos e à entidades privadas de comunicação, por conta da transparência que todos sempre quiseram dar ao processo apuratório. A própria expressão apuração paralela foi criada pelos partidos políticos, destacadamente um deles, que anunciava com larga antecipação seu propósito de acompanhar com rigor a contagem de votos desenvolvendo o seu próprio esquema de contagem. A Justiça Eleitoral sempre disse que jamais se sentiria melindrada por causa disso e que, tendo a segurança absoluta dos seus números, só poderia ficar reconfortada por ver que apurações paralelas conduziriam inevitavelmente à confirmação dos números oficiais. Então, partidos cogitaram em cima disso e montaram seus esquemas [de apuração paralela], diversos partidos, com maior ou menor eficiência, penso, mas diversos partidos, no primeiro turno, montaram seus esquemas. E sucedeu que, no âmbito da comunicação privada, se organizou também um esquema voltado para isso. Em nenhum momento o Tribunal Superior Eleitoral cogitou proibir aquilo que sempre fora um reclamo coletivo, ou seja, a transparência do processo e a transparência da contagem de votos desde a primeira hora. Sucedeu, entretanto, que como se individualizou essa apuração paralela no primeiro turno, ela não foi feita por dois, três, quatro órgãos de comunicação e sucedeu que, por causa dessa apuração paralela ter cessado, ter estancado... no momento a partir do qual os números oficiais passaram a ser acompanhados com maior atenção por todos os interessados em divulgá-los, sucedeu então, Carlos, um certo mal-estar no processo apuratório por conta do desenvolvimento dessa prática paralela de apuração. Nunca poderíamos dizer, entretanto, que isso é ilegal. E se não se trata de uma prática ilegal, o Tribunal não pensaria em proibi-la. Eu apenas imaginei que poderia contar com uma reflexão a respeito desse tema por parte dos interessados e acreditei, continuo acreditando, que seria melhor contar com os números oficiais, que seria melhor entrar na expectativa igualitária e simultânea da disponibilidade dos números oficiais. Essa é uma questão um tanto sutil e o desenvolvimento do inteiro raciocínio que tenho a respeito dela me fica um pouco difícil neste momento, mas como não falta sutileza aos brasileiros em geral, especialmente àqueles que integram os meios de comunicação em massa... eu continuo a crer que, embora não se cuide de algo ilícito ou proibido, nós provavelmente não presenciaremos o esquema de apuração paralela no segundo turno. Os partidos políticos estão empenhados em acompanhar com todo o interesse, com todo rigor, apenas a contagem oficial.
Jorge Escosteguy: O senhor acha que a apuração desse segundo turno será bem mais rápida do que a primeira?
Francisco Rezek: Ela será mais rápida, Jorge Escosteguy. Não porque se tenha aberto mão do sistema de segurança, que é rigorosamente o mesmo. Todos aqueles mecanismos relacionados com o uso da máquina e que imprimem um rigor absoluto a cada número, a cada algarismo computado, isso não se muda de maneira alguma. Mas acontece que o segundo turno é naturalmente mais simples pela composição da cédula, pela maneira de se exercitar o voto nesta cédula, pela contagem de votos, pelo processo apuratório físico e visual dos escrutinadores que terão de fazer um preenchimento dos boletins de urna muito menores, como menores também serão aqueles mapas que saem das impressoras do computador. No segundo turno, tudo isso nos faz ganhar tempo. As repercussões sobre a cronologia apuratória do segundo turno são evidentes. No primeiro turno, embora contássemos pelo calendário eleitoral com prazo de doze dias, o total de 100% foi fechado com a metade desse prazo. Eu acredito que, no segundo turno, fecha-se o total de 100% em não mais do que quatro dias. Agora, a questão de saber se o resultado do segundo turno é avaliável desde logo ou somente nos pontos porcentuais finais, isso depende só do eleitorado e não de nós.
Jorge Escosteguy: ...enquanto tiver a disputa entre os dois. Alex, por favor.
Alex Solnik: Na apuração do primeiro turno, apesar de ter sido mais rápida do que o previsto, houve algumas falhas, os votos do Rio demoraram, depois demoraram os [votos] de Minas, eu queria saber se essas falhas foram verificadas, se foram apuradas e podem se repetir, agora, no segundo turno?
Francisco Rezek: Vou lhe dizer, Alex, exatamente o que aconteceu. A primeira razão de aborrecimento deu-se na noite de 15 de novembro, quando os primeiros números, aqueles que enriqueceriam a beleza da noite, o fechamento do 15 de novembro, cujo curso em todo o território nacional foi impecável, sem incidentes, sem qualquer coisa que tivesse podido conturbar a beleza do comportamento popular no dia da eleição tão esperada... Agora, naquela noite, esperávamos que os primeiros números oficiais fossem um pouco mais ricos por volta de dez da noite e não foram. Quando já havíamos passado de dez horas, tínhamos uma amostragem muito pífia de números recolhidos no exterior, e só pela madrugada começaram a chegar números nacionais um pouco mais alentados. Então, na noite de 15 de novembro, antes que as pessoas que estavam ali... não os jornalistas, que ficaram o tempo todo “plantonizados”, mas pessoas que estavam ali visitando o centro de convenções por curiosidade se recolheram sem contar com números expressivos, a não ser alguma coisa resultante da amostragem de apurações paralelas por meios de comunicação. Mas, a partir do dia 16, os números oficiais entraram nas máquinas no ritmo desejado e esse ritmo não caiu. Então, enfrentamos o problema de Minas Gerais, que não foi uma pane, foi uma perplexidade momentânea diante do programa, reclamando a presença de elementos mais experimentados do Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados] do Rio de Janeiro, que para lá foram enviados.
Jorge Escosteguy: O problema era do software do computador que estava fazendo...?
Francisco Rezek: Não, o problema do entendimento do programa pelas pessoas, não era uma pane na máquina, era uma questão relacionada com a comunicação pessoa-máquina. Com a assistência de alguns agentes especializados do Serpro, no Rio de Janeiro, isso pôde resolver-se em algumas horas e depois fechamos os 100% com o resultado das últimas urnas dos grandes estados amazônicos. Isso era rigorosamente esperado, deveria ser assim, assim foi previsto que acontecesse. E isso por conta das distâncias geográficas. As últimas urnas do Amazonas e do Pará chegam às respectivas capitais no último dia de apuração. Foram aqueles dois incidentes que o doutor [...] relatou na imprensa, os dois incidentes mais curiosos: uma baixa de maré do Rio Negro e um incidente envolvendo uma onça e um cavalo no estado do Pará. A única vítima das eleições de 15 de novembro foi um cavalo e não foi uma vítima fatal, foi um ferimento leve. Agora, nesse momento, é quando se percebe a dimensão do território nacional, quando se percebe o que significa até oito milhões e meio de quilômetros quadrados, quando se defronta um brasileiro com a dimensão física do Rio Negro e da floresta amazônica e que se torna extremamente incômodo [...] a tese daqueles que nos falam sobre a Suíça, Áustria, Itália, em lugares que não conhecem nada de semelhante a isso, e onde é possível fazer apurações em 24h, sobretudo porque as coisas não mudam lá. As eleições dizem sempre aquilo que se sabe que as urnas vão dizer, o sistema já está muito bem estabelecido, não há surpresas na caixa de voto e os países chegaram a um estágio tal de desenvolvimento e de apego aos seus padrões que o processo eleitoral não desperta emoções semelhantes...
Izalco Sardenberg: [interrompendo] O senhor não acha que já é chegada a hora de se pensar em uma apuração de votos, no Brasil, que não seja mais feita pela Justiça Eleitoral e que seja como nos Estados Unidos é feita, por exemplo, por uma empresa privada há muitos anos e funciona muito bem? Porque o Brasil não poderia seguir o mesmo caminho?
Francisco Rezek: Achamos, primeiro, que a apuração física e imediata dos votos retirados da urna tem que depender do povo em si mesmo, dos 82 milhões de eleitores representados, isso tem que ser uma responsabilidade popular, nenhuma empresa, nenhuma auditoria substituiria o próprio colégio eleitoral. Representado em nome da Justiça Eleitoral sim, mas por pessoas comuns que se entregam gratuitamente a esse trabalho. Agora, quanto àquilo que vem logo depois, feita a apuração dos votos retirados das urnas pelos escrutinadores que a Justiça Eleitoral recruta, aí entram em cena as máquinas e, então, estamos a meio caminho andado dessa sua proposta, porque quem faz o trabalho informático são empresas, é o Serpro, fundamentalmente o Serpro e a Dataprev [Empresa de Processamento de Dados da Previdência], cobrindo grande número de estados. Em alguns estados como São Paulo, Minas Gerais, empresas estaduais idôneas, com a mesma vocação e mesmo estilo. Muito se falou na unificação, porque não confiar tudo ao Serpro? Alguns partidos chegaram a sugerir isso. É que essa divisão entre Serpro, Dataprev e algumas estaduais não foi inventada por nós este ano, ela resulta da tradição da Justiça Eleitoral. No passar dos últimos anos, foi se estabelecendo essa relação contratual entre a Justiça Eleitoral e tais empresas. E essas estaduais envolvidas no processo, assim como uma Dataprev, nos dão perfeita satisfação e nunca deixaram a desejar em relação ao trabalho do próprio Serpro. Não houve uma razão política, portanto, ou uma razão técnica para a concentração. Isso poderia ser pensado um dia, mas não é idéia imediata. Nós estamos, realmente, a meio caminho daquilo que a sua questão propõe, mas, só que são empresas públicas, não são empresas estritamente privadas. Todas elas têm conteúdo público, pelo menos majoritário.
Jorge Escosteguy: Dalton Moreira tem uma pergunta, por favor, ministro.
Dalton Moreira: O Brasil ficou praticamente trinta anos sem eleger presidente. Acho que perdemos um pouco do costume, não? Inclusive eu ainda não votei mas, mesmo assim, o processo eleitoral em curso ocorre de uma maneira transparente e democrática. De qualquer forma, o que o senhor acha que pode ser aperfeiçoado, aproveitando o que o Izalco [Sardenberg] disse, no processo de votação e apuração para as próximas eleições?
Francisco Rezek: Em matéria de aperfeiçoamento, a minha maior preocupação é com o direito eleitoral, é com as regras relacionadas à campanha, à fundação de partidos, ao funcionamento de partidos, às finanças partidárias em estado crônico, às finanças da campanha, ao processo eleitoral, à determinação dos crimes eleitorais e assim por diante. O nosso direito eleitoral nos dá um trabalho imenso, Dalton, e injusto, porque as coisas seriam mais simples se ele não fosse tão precário, se ele não fosse tão rudimentar. Nosso direito eleitoral é um resultado da combinação de textos que eu tenho definido como “mal nascidos”, o código eleitoral, a lei orgânica dos partidos políticos e a lei das elegibilidades, são textos do final da década de 1960, do começo da década de 1970, de um período onde a maneira de se fazer as leis não era lá o mais exemplar, e, sobretudo, período no qual legislar para as eleições era algo um tanto surrealista, porque não era nas eleições que se determinava o poder. O direito eleitoral que hoje examinamos para o nosso trabalho cotidiano é resultado da combinação desses textos de má origem com as leis do ano, que também são sempre vulneráveis à crítica porque [são], inevitavelmente, casuísticas. Lei do ano é aquela que o Congresso edita alguns meses de distância do pleito e, por maior que seja a boa vontade do observador, ele sempre propenderá a ver com olhos críticos o conteúdo dessas leis.
Jorge Escosteguy: O senhor citaria alguma lei casuística deste ano, por exemplo?
Francisco Rezek: Eu não sei... Houve críticas recíprocas entre os dois poderes políticos. Eu penso que o governo viu algum casuísmo no texto proposto pelo Congresso e o Congresso viu algum casuísmo em vetos postos pelo presidente da República ao texto de lei. Não é preciso concordar com isso, Jorge Escosteguy, para reconhecer pelo menos uma realidade: sempre que se trabalha com o estabelecimento de normas a poucos meses da eleição, não faltará uma crítica severa à qualidade desse trabalho. Então, para o que propendemos, qual é a nossa maior necessidade? É de depuração do direito eleitoral. Está certo que dois grandes textos completos, corretos, com espinha dorsal, com uma ideologia determinada e com profunda coerência, dois textos, um de natureza complementar e outro de natureza ordinária... o código eleitoral brasileiro refeito possa nortear as eleições, não precisando de ajuda das leis do ano, não necessitando, portanto, o Congresso, em cada processo eleitoral, editar uma lei com meses de antecedência; e o detalhamento pertinente a cada pleito ficaria só por conta da Justiça Eleitoral. E seriam regras miúdas de complementação.
Dalton Moreira: No caso das eleições de dois turnos, o senhor discordaria ou não?
Francisco Rezek: Não, as eleições presidenciais em dois turnos já resultam da Constituição, isso, Dalton, foi uma grande inovação.
Dalton Moreira: Sim, mas o senhor falou de um código específico.
Francisco Rezek: O código não lidaria exatamente com isso, ele daria uma disciplina de detalhamento àquilo que já está na Constituição, não podendo desafiá-la; e ele dispensaria novos trabalhos do Congresso a cada ano eleitoral. Veja que, para o ano que vem, para 1990, como não foi possível que o Congresso trabalhasse a mais de doze meses de antecedência, vale a regra do artigo 16 [dispositivo que estabelece o prazo máximo para mudanças nas regras eleitorais, geralmente, os prazos fixados pelo artigo são de um ano antes das próximas eleições] e essas eleições estarão profundamente marcadas por normas que a Justiça Eleitoral deverá estabelecer. Agora, eu sei que, no ano que vem, lideranças expressivas do Congresso pretendem refundir o nosso direito eleitoral, só que isso trará proveito a partir das eleições seguintes.
Jorge Escosteguy: E [...] alguns casuísmos também porque, afinal, temos eleições...
Francisco Rezek: Aí, Jorge Escosteguy, não valerá para ela. O que o Congresso legislar no ano que vem não vale para o pleito de outubro do ano que vem, só para os seguintes.
[...]: Ministro...
Jorge Escosteguy: Só um minutinho, por favor, deixa eu completar a roda que o Rodolfo está aguardando ali há muito tempo.
Rodolfo Konder: Ministro, eu vou me permitir tirar um pouco desse campo das leis - que o senhor, aliás, faz cumprir com rara eficiência - e tentar descobrir alguma coisa sobre o campo das suas emoções. O senhor é uma pessoa muito racional, então a gente fica sempre curiosa sobre as suas reações nesse campo mais emocional. Por exemplo, quando o governador Leonel Brizola chamou a imprensa estrangeira para denunciar que havia uma conspiração em marcha, quer dizer, eu gostaria de saber como o senhor se sentiu naquele momento. Eu sei que, do ponto de vista dos procedimentos, as coisas estavam andando, e depois a prática mostrou que não havia efetivamente nenhum intuito conspiratório... mas como o senhor se sentiu? E também em relação a essa questão do segundo turno, embora esteja na Constituição... veja bem, e nós não estamos propondo mudanças na Constituição mas também é um assunto que permite emoções diferentes e eu gostaria de saber como o senhor se sente. Porque eu, por exemplo, às vezes, ainda tenho dúvidas se efetivamente uma eleição em dois turnos é mais democrática ou não, ou se até ela não propicia um tipo de divisão, de esquizofrenia no país, de simplificação das coisas, que podem se tornar perigosas para a consolidação de uma democracia pluralista.
Francisco Rezek: Vou lhe falar, então, sobre os dois temas. O primeiro: nenhum partido se relacionou tão de perto com o Tribunal Superior Eleitoral nos meses que antecederam este pleito quanto o PDT [Partido Democrático Trabalhista]. A presença do governador Leonel Brizola e de figuras de elite no seu partido, figuras de grande atuação no seu partido, eram uma constante no tribunal. O PDT acompanhou a preparação do processo, fez inúmeras sugestões e quase todas foram acolhidas. Mas havia uma faixa além da qual não se podia passar. Essa idéia, por exemplo, da totalização pelas juntas apuradoras implicava retirada de toda a modernidade que a lei de informática outorgou ao processo. E nós não poderíamos renunciar à aceleração, que era do interesse coletivo. Para lhe dizer com toda sinceridade, eu nunca consegui entender exatamente porque as lideranças partidárias em questão pediam aquilo, porque [eu] não via uma vantagem, não via aí uma razão, ainda que não fosse a melhor, para que aquilo lhes parecesse mais seguro. A outra idéia que não pôde ser aceita foi a de uma auditoria. Uma instituição judiciária no desempenho de uma missão constitucional não pode valer-se, para recolher a confiança do público brasileiro, das bênçãos de uma empresa multinacional de auditoria. Essa idéia foi realmente impalatável e tivemos que dizer com clareza na hora apropriada.
[...]: O senhor se irritou?
Francisco Rezek: Não, não. Na verdade não, porque o governador Brizola é uma criatura singular, ele inspira uma grande simpatia e um grande respeito. Há coisas que caracterizam a convivência com ele e penso que nenhuma outra pessoa, se não ele, conseguiria, no seu relacionamento com as demais pessoas. Em nenhum instante me irritei com a pessoa do governador e do candidato Leonel Brizola e o nosso diálogo sempre foi muito cordial. Em alguns momentos, tive que ser um pouco mais metálico no diálogo jurídico com alguns de seus apoiadores jurídicos, que me pareciam estar induzindo o governador a uma tese incorreta. Quanto à questão relacionada aos dois turnos, eu penso que a idéia do constituinte foi a de não deixar que um país heterogêneo, complexo e difícil por várias razões, como é o nosso, fosse governado por alguém que não tivesse atrás de si pelo menos o apoio da maioria do eleitorado optante. Nós sabemos... Por exemplo, os históricos não muito distantes da nossa situação geográfica e não muito distantes da nossa época no tempo... Sabemos quais são as conseqüências possíveis do governo minoritário, de investir-se em alguém na chefia do Estado, na chefia do governo, tendo, em seu apoio, apenas aquilo que se denomina uma maioria relativa, o que não passa de uma minoria acidentalmente mais expressiva do que as outras minorias. Foi essa a idéia que presidiu a opção do constituinte de 1988 [Constituição de 1988] pelos dois turnos. E também a noção, a percepção de que a cena política estaria ocupada por muitos atores. Veja, há cinqüenta partidos com registro provisório mais ou menos a essa altura, 22 candidaturas, ao final reduzidas a 21, por aquele acidente de percurso na última semana [candidatura de Silvio Santos]. Tudo isso convergia no sentido de indicar como necessário que se decidissem, apostando na não consagração em primeiro turno de um candidato eleito por maioria absoluta, então, que se previsse um segundo turno onde os dois mais votados concorreriam, somente eles; e todos os brasileiros votantes nos demais, os que não se classificaram para o segundo turno, teriam que, com uma dose acentuada aí de resignação, de reacomodação, redefinir, então, o seu ponto de vista, votando em um dos dois. Eu penso que temos uma vantagem... De qualquer maneira, estou me preocupando com a posição de eleitores que por ventura estejam insatisfeitos com a cédula do segundo turno. Eles deveriam compenetrar-se de que nós temos ali duas candidaturas diferentes, duas propostas diferentes, dois passados diferentes. Acho que as pessoas poderiam se sentir incomodadas se assim não fossem, se fosse duas candidaturas iguais ou muito semelhantes. E porque estas duas candidaturas? Porque foram esses os dois cidadãos mais votados pelo povo brasileiro, eles não estão ali por acaso, eles não estão ali por sorteio, estão ali porque recolheram o maior número de sufrágios - com todo respeito pelos outros que recolheram também sufrágios, que somados fazem um coeficiente maior, mas que, individualmente considerados, formaram condizentes menores.
Jorge Escosteguy: Ministro, por favor, o Mauro Chaves tem uma rápida pergunta e nós vamos precisar fazer um intervalo.
Mauro Chaves: A gente tem percebido... no segundo turno, o primeiro lugar é o seguinte: a contradição dos políticos que acabaram há poucos dias de falar “cobras e lagartos” de determinado candidato e depois desdizem tudo isso. O senhor não acha que isso cria um certo descrédito da classe política que muda tanto de opinião? A segunda coisa, com relação ao apoio, esse apoio não é muito fugaz? Porque depois de haver essa “esquizofrenização” a que se referiu Rodolfo Konder - porque acho, realmente, as pessoas ficam naquela dúvida entre se violentar ou não por votar em alguém que não querem para não ficar em cima do muro - apesar disso, o senhor não acha que esses apoios são muito fugazes? Porque depois da eleição isso não significa um apoio àquele candidato que foi votado com muito contragosto.
Francisco Rezek: São as injunções inevitáveis da política. Os candidatos não classificados para o segundo turno continuam sendo pessoas de expressiva liderança, em maior ou menor medida continuam sendo grandes líderes consagrados por expressiva votação popular, consagrados por seu passado, por sua proposta e pelo aval que essa proposta conseguiu de alguns milhões de brasileiros votantes. Não se poderia, em hipótese alguma, presenciar, penso eu, mutismos absolutos dessas lideranças, alguma coisa deveriam dizer ao seu eleitorado. E acredito que, apesar do desgaste que isso inevitavelmente representa... porque, na vida política, essas são algumas das vantagens [em relação] à vida do juiz. Na vida política, existem sendas em que não se tem como contornar o desgaste. Mas eu penso que o mal menor é a opção, realmente, porque ficar o eleitor sem uma palavra daquele que mereceu o seu voto no primeiro turno e que, entretanto, não foi classificado para o segundo, essa seria a pior das perspectivas. É claro que o apoiou em campanha, não se confunde com o apoio ao futuro governo. Porque isso depende muito de ver, nos primeiros meses de administração, aquilo que vai ser a contrapartida do discurso político, aquilo que vai ser a contrapartida da proposta eleitoral. E não há aí nenhuma crítica, é também algo inevitável que, em campanha, as tonalidades das propostas que são apresentadas ao público não se confirmem com muita exatidão, sejam reduzidas a um termo mais sóbrio, mais seco e mais técnico também na hora de governar, e aí os apoios seriam necessariamente redefinidos. Eu não vejo nisso um mal para o sistema, eu compreendo, entretanto, toda a dificuldade que a classe política enfrenta por conta da continuidade.
Jorge Escosteguy: Ministro, nós vamos precisar fazer um rápido intervalo e voltamos daqui a pouco. O Roda Viva volta então daqui a pouco entrevistando hoje o ministro Francisco Rezek. Até já.
[Intervalo]
Jorge Escosteguy: Voltamos com Roda Viva que hoje está entrevistando o presidente do Tribunal Superior EleitoralMinistro, um pouco antes do primeiro bloco o senhor se referiu a um acidente de percurso, um pouco antes do primeiro turno, quando nós ficamos com 21, no lugar de 22 candidatos, que era especificamente o caso Silvio Santos. O senhor, se não me engano, apesar de não ser necessário, fez questão de dar o seu voto no caso do Silvio Santos. Porque o senhor fez questão de dar seu voto e como o senhor viu essa questão, já que muita gente argumentava que o Silvio Santos reunia todos os requisitos de brasileiro nato, maior de 35 anos etc, portanto podendo ser candidato.
Francisco Rezek: Veja, Jorge Escosteguy, três dos seis companheiros que tenho no Tribunal Superior Eleitoral proferiram votos atinentes unicamente à questão do partido, da regularidade do Partido Municipalista Brasileiro naquele momento [Partido político fundado em 1985 por Armando Corrêa da Silva. Entre 1985 e 1988, pela legenda, foram eleitos 49 prefeitos no estado de São Paulo, além de vários vereadores]. Outros três preferiram abordar esse tema e o tema relacionado à inelegibilidade do candidato, em razão do seu poder de mando sobre um vasto complexo televisivo. Eu achei que deveria usar da minha faculdade, embora tanto não fosse obrigado, de votar, sobretudo porque me pareceu que os dois argumentos... um preliminar que excluía a necessidade de abordar o outro, mas também o argumento de mérito. Eu achei que os dois mereciam um abono, verifiquei que a minha posição era a mesma de todos que já haviam falado e resolvi desenvolver, em coisa de doze minutos, esse duplo ponto de vista. Alguns observadores, alguns brasileiros fizeram uma pergunta insistente, vazada mais ou menos nos seguintes termos: se o Partido Municipalista Brasileiro era bom para sustentar a candidatura do senhor Armando Correia, porque ele não foi para sustentar a candidatura substitutiva? Outros colocavam a mesma questão sobre uma abordagem um pouco mais sutil. Se não tivesse havido a renúncia e a tentativa de substituição a candidatura Armando Correia iria até o dia 15 de novembro? Se bem que as conseqüências operacionais desse fenômeno que expus nas últimas palavras agora proferidas não seriam de monta, porque o candidato não chegaria, pelo que as pesquisas lhe prenunciavam, ao segundo turno, seria...
Jorge Escosteguy: O Armando Correia?
Francisco Rezek: É, o Armando Correia. Se ele permanecesse no páreo dificilmente chegaria ao segundo turno. De modo que a subsistência da candidatura dele... uma eventual declaração pelo tribunal, lá pelo mês de fevereiro, da irregularidade do Partido Municipalista Brasileiro não iria então destituir um presidente da República eleito. Mas colocando a questão nos termos da primeira pergunta, que muitas pessoas de boa-fé e de muita sensatez fizeram. Porque o partido servia para sustentar a candidatura Correia e não serviu para sustentar a candidatura substitutiva? É que o partido, quando inscreveu o senhor Armando Correia, e ele foi o primeiro inscrito, ele foi o número um na ordem de acesso ao Tribunal Superior Eleitoral com pedido de registro de candidatura. Naquele momento, o Partido Municipalista Brasileiro, embora não tivesse registro definitivo - como tem o PMDB, como tem o PFL, como têm tantos outros - ele tinha um registro provisório em pleno curso de validade. Foi por volta de setembro ou outubro... acho que outubro, sim, foi em outubro que esse período de registro provisório expirou e, na expiração, ele entrou com o pedido de registro definitivo apresentando documentos, cujo exame – vejam bem – não se faz de imediato, se faz mediante um ritual bastante lento, porque publicam os editais para que os interessados saibam que aquele partido está pedindo o seu registro definitivo porque viu esgotar o seu prazo de registro provisório. Então, as pessoas, em geral, têm vários dias para impugnar. Se houver impugnação, o próprio interessado tem vários dias para replicar a impugnação, isso terminaria lá por fevereiro. E só então descobriríamos – se não tivesse havido o acidente de percurso – só então descobriríamos que o Partido Municipalista Brasileiro não vingava. Mas então como o senhor Armando Correia dificilmente teria sido eleito presidente da República as conseqüências não seriam desastrosas. Entretanto, se acontece de, num partido qualquer, haver uma renúncia dos candidatos existentes e uma tentativa de substituição e um pedido de substituição a ser examinado pelo plenário do Superior Tribunal Eleitoral, neste processo de substituição a secretaria é obrigada a nos dizer a situação do partido naquele instante. Então, antecipa-se, traz-se à mesa de imediato o exame da situação do partido. E foi nesse contexto que se verificou que toda a documentação trazida para apoiar o registro definitivo era inconsistente e que o partido, na realidade, não existia mais desde a expiração do seu registro provisório.
Jorge Escosteguy: Sérgio, por favor, ministro.
Sérgio Goudinho: Eu queria insistir na busca do cidadão Francisco Rezek, não apenas o ministro Francisco Rezek. O senhor vai votar pela primeira vez - eu sei disso - no segundo turno para presidente da República. Como se sente o cidadão diante dessa hipótese? Por exemplo, na sua casa, o senhor é patrulhado para votar em “A” ou “B”; ou o senhor patrulha os seus filhos para votar em “A” ou “B”?
Francisco Rezek: Eu não sou patrulhado e muito menos patrulho, seria mais fácil acontecer – improvável –, mas de qualquer maneira seria mais fácil acontecer de me patrulharem dentro da minha casa do que o contrário. Acho que preservarei sempre o hábito, que entendo que seja uma das boas características da condição mineira, de não falar, senão quando perguntado...
[...]: o senhor pode dizer em quem votou no primeiro turno?
[risos]
Francisco Rezek: Aí eu tenho alguma dificuldade, aí eu tenho alguma dificuldade, mesmo perguntado eu teria alguma dificuldade de me manifestar. Mas dentro de casa, no recesso da vida doméstica, mesmo aí eu hesito muito, eu preservo aquela tradição mineira de não gostar de estar aonde não se é desejado, de chegar aonde não se foi chamado, de falar quando não se é perguntado. E não patrulho, as minhas crianças não são patrulhadas, exercitam a sua liberdade. Eu tenho um menino de sete anos que é uma entusiasta da candidatura Leonel Brizolae que se aborreceu muito quando essa candidatura não subsistiu, esse é o que mais se manifesta, os outros três saíram um pouco mais ao pai...
Jorge Escosteguy: E o filho ficou solidário com o senhor quando Brizola reclamou no Tribunal?
Francisco Rezek: Ele aí se manteve neutro.
[risos]
Francisco Rezek: Mas muito aborrecido e muito avexado, visivelmente aborrecido. Agora, penso que eu não interferiria de modo algum na decisão de outras pessoas em casa sobre assuntos de qualquer natureza, especialmente sobre o tema eleitoral. A minha mulher me provoca constantemente quanto à discussão desse tema. A minha filha mais velha, que já é votante, às vezes o faz, mas de modo menos freqüente, digamos assim. E eu não procuro interferir em absoluto.
Jorge Escosteguy: Ela fala o seu voto ao senhor ou não?
Francisco Rezek: No primeiro turno sim. No primeiro turno, eu estava inteirado de como votariam as duas e votamos no mesmo candidato; agora, quanto o segundo turno elas...
Marcelo Beraba: Passou para o segundo turno o seu candidato?
Francisco Rezek: Eu tenho dificuldade em dizer [risos], eu tenho dificuldade em dizer. Mas quanto ao segundo turno, de qualquer maneira, quem quer que se veja como admitido no segundo turno, candidato que já havíamos votado ou não, de qualquer maneira o segundo turno tem uma importância especialíssima e talvez eu me valha do aconselhamento de pessoas mais jovens.
[Sobreposição de vozes]
[...]: Poderia votar em branco?
Francisco Rezek: Isso está completamente descartado, eu não farei, não sei de pessoa alguma na minha família ou nas minhas relações próximas que cogite de não ir às urnas, ou de votar nulo, ou de votar em branco.
Jorge Escosteguy: Qual a sua opinião sobre o voto branco e nulo?
Francisco Rezek: Exatamente, Jorge Escosteguy, eu não vejo lugar para isso numa eleição como esta. O voto branco, a exemplo da abstenção, é uma prova de indiferença, e eu não sei como alguém poderia se manter indiferente ao processo eleitoral brasileiro neste nosso momento histórico. E o voto nulo este, realmente, ele tem um teor de grosseria, uma grosseria às vezes justificada pelas circunstâncias, quando o eleitor quer dizer que, em razão da falta de plenitude democrática, as forças que poderiam concorrer não estão todas concorrendo. Há partidos vetados, há movimentos de opinião política cerceados na sua liberdade de ir à praça e apresentar suas propostas, e é num quadro assim que se admite que o um cidadão vote nulo. Mas quando a abertura é rigorosamente integral, quando todos, até as minorias mais exóticas puderam colocar candidaturas na mesa e defender as suas propostas, alguém dizer que não encontra ali nada que se aproxima do seu projeto de Brasil, isso, me parece próximo do cinismo, eu não vejo justificativa para voto nulo em uma eleição como essa.
Izalco Sardenberg: Aquela questão constitucional, como poderia ser colocada... Retomando o tema da Constituinte, o voto é obrigatório. O senhor acha que se deveria manter, na Constituição Brasileira, a obrigatoriedade do voto, não é mais democrática a outra opção? E ligando inclusive com essa questão do voto em branco, porque seria também uma manifestação, não talvez de indiferença, mas do direito de uma pessoa de não querer escolher nem um candidato e nem outro.
Francisco Rezek: O voto branco, eu não acho reprovável, mas eu acho uma manifestação de indiferença, quando eu entendo como pouco explicável a indiferença. Quanto à obrigatoriedade do voto no sistema brasileiro, o que a Constituição de 1988 preservou de acordo com a nossa tradição? Muitos juristas votados para o culto do princípio democrático perguntam isso com freqüência: não contradiz a idéia da liberdade o fato de forçar o cidadão a ir às urnas? Não se deveria dar, como nos Estados Unidos, em muitos países da Europa, a opção de ficar em casa e deixar que os demais interessados no processo decidam? Eu creio que, raciocinando ao longo prazo, poderia ser partidário ao voto facultativo, mas não na conjuntura atual. Eu acho que, num momento em que o país procura definir o seu perfil político, num momento em que o país está ainda à busca de definições muito elementares, em que as opções se polarizam, em que as opções se dividem de modo muito nítidas, com propostas bem distintas, eu penso que a compulsoriedade do voto, o fato de o constituinte ter querido que os contribuintes se dirijam às urnas em massa não é reprovável, não é um atentado contra a liberdade. Nós poderíamos pensar no voto facultativo como uma opção livre do cidadão naqueles países, onde tudo já se consolidou, onde tudo, em parte, já se estratificou, onde o resultado das eleições de qualquer maneira não vai mudar grande coisa. Nos EUA, se ganha um partido democrata ou se ganha um partido republicano, saibam os senhores que as diferenças são cosméticas, que as diferenças são puramente metodológicas e não têm a ver com a definição da estrutura do Estado porque isso já está consolidado e todos sabem que não vai mudar. Então, eu penso que se um dia chegarmos a esse ponto de paralisação da nossa perspectiva de definir grandes linhas para o nosso futuro, aí sim poderíamos praticar isso que parece ser mais libertário.
Jorge Escosteguy: O Dalton, por favor, tem uma pergunta, ministro.
Dalton Moreira: O senhor falou de voto obrigatório, então, mas também temos o problema do horário eleitoral obrigatório. O senhor o assiste esses programas?
Francisco Rezek: Assisto, assisto, os meus filhos assistem.
Dalton Moreira: O senhor assistiu no primeiro turno?
Francisco Rezek: Assisti durante o primeiro turno, assisto durante o segundo turno agora...
Dalton Moreira: Por dever do ofício ou porque o senhor gosta?
Francisco Rezek: Eu gostaria de ver de qualquer maneira, se fosse só dever do ofício eu poderia, no dia seguinte, indagar, em gabinete, o que aconteceu na véspera, e se houve alguma coisa digna de nota... Mas eu assisto.
Dalton Moreira: Mas o senhor não grava?
Francisco Rezek: Não gravo.
Rodolfo Konder: O senhor considera bons programas televisíveis?
Francisco Rezek: Eu acho que sim.
Rodolfo Konder: Em termos de atração para quem está em casa na telinha?
Francisco Rezek: Olha, eu jamais duvidei, por exemplo, da espontaneidade das crianças e da naturalidade com o que elas se manifestam sobre o que vêem. Os adultos, às vezes são um pouco mais auto patrulhados e hesitam em declarar que tem interesse por aquilo que, no fundo, lhe desperta interesse. As crianças, nesse particular, são mais espontâneas e o gosto das crianças brasileiras pelo horário gratuito é um fenômeno que há de marcar a campanha eleitoral de 1989. O que há de criticável, nessa campanha, quanto ao horário gratuito, talvez seja aquilo que foi a conseqüência da multiplicidade de partidos e de candidaturas. Eram muitas as candidaturas, era preciso dividir o tempo; resolveu-se, então, fazer a partilha desigualitária e aconteceu de se distribuir...
Dalton Moreira: Não é uma imposição ao eleitor, quer dizer, eu sou obrigado a assistir isso?
Francisco Rezek: Na realidade, o eleitor não é obrigado a assistir aquilo.
Dalton Moreira:  Sim, mas qualquer canal de televisão que ele sintonizar está lá.
Francisco Rezek: Sim, mas ele poderia optar por outras maneiras de passar o seu tempo fora da proximidade do vídeo.
Mauro Chaves: Ministro, só uma pergunta sobre o horário político especificamente, a minha dúvida é a seguinte: tudo indica que essa eleição vai ser realmente muito disputada, o grande crescimento da candidatura Lula, que vai diminuindo rapidamente a diferença... Tudo leva a crer que haverá repetição mais ou menos com relação à disputa pela segunda vaga no primeiro turno. Então, qualquer acontecimento, qualquer coisa de impacto, no finalzinho, já perto das eleições, deve ter influência muito grande. O que eu pergunto é o seguinte: o último horário, o último programa eleitoral é dia 14, se um candidato ou os dois candidatos prepararam, realmente, coisas espantosas, denúncias terríveis, calúnias, difamações para sair no último programa, haverá possibilidade de direito de resposta da outra parte?
Francisco Rezek: Sim, a lei prevê isso, a lei prevê isso.
Mauro Chaves: No outro dia, dia 15?
Francisco Rezek: Exato, fora do calendário, portanto já naqueles dias que deveriam ser brancos, dentro daquele espaço de dois dias que deveriam ser os dias brancos, de descanso para os candidatos e seus militantes e de reflexão para os eleitores. Dentro desse espaço pode o tribunal, em circunstâncias excepcionais, penalizar um abuso do último dia de horário gratuito. Mas eu apostei que isso não iria acontecer no primeiro turno; não aconteceu e continuo crendo que não acontecerá no segundo. Eu acho que não aconteceria, mesmo que não houvesse essa perspectiva de penalização.
Mauro Chaves: É que, no primeiro turno haveria o segundo turno e isso é perigoso, mas agora como é o último programa, quer dizer, para valer mesmo a parte vai pensar assim: "Eu não tenho muito a perder, agora é tudo ou nada". Agora se existe essa possibilidade então isso já...
Francisco Rezek: Seria algo de certo modo traumático, porque seria o uso do tempo daqueles dois dias brancos, de um tempo previsto para ser neutro a fim de compensar aquilo que o tribunal tivesse considerado como uma afronta grave a uma das candidaturas.
Jorge Escosteguy: Marcelo Beraba tem uma pergunta, por favor, ministro.
Marcelo Beraba: Eu queria perguntar sobre a questão do abuso do poder econômico. O senhor nos informou que o tribunal se manifesta quando provocado por causa da dificuldade de se tratar da questão. Agora, tem pelo menos dois casos importantes do tribunal que não foram resolvidos ainda, que é o caso da liberação aparentemente de forma irregular, de policiais militares da PM de Alagoas para a segurança do candidatoFernando Collor de Mello e o caso Lubeca. A demora em se tocar esses casos, de se resolver esses casos não seria uma crítica ao TSE, não deveria estar sendo mais rápido em resolvê-los?
Francisco Rezek: Veja, o tribunal não é um órgão investigatório, ele não tem meios investigatórios. A corregedoria da Justiça Eleitoral tem uma função muito singular, porque ela procura agir profilaticamente e evitar que acontecimentos negativos de algum modo contaminem a pureza da campanha. A corregedoria não está programada para levar processos a termo, necessariamente. Se a ação profilática do corregedor resolver as coisas, o fato de elas não se liquidarem antes do término da campanha eleitoral não é grave. Mesmo porque processos que tenham implicações penais nunca poderiam se liquidar em prazo tão curto, considerada a amplitude do direito de defesa. Agora, observa uma coisa Marcelo, os casos mencionados, o da polícia militar de Alagoas e o caso Lubeca em São Paulo não tiveram a ver com a exata figura do abuso do poder econômico. Trouxe-se à mesa a idéia de eventuais delitos eleitorais, mas não sobre essa forma, sobre formas variantes. Agora, a informação de que o corregedor dispõe... ela, desde que não deva influir nas eleições, em grandes números de casos não influi nas próprias eleições, é uma informação disponível depois pelo Ministério Público para os fins que ele queira dar, para a iniciativa que ele queira tomar, se achar que é o caso.
Jorge Escosteguy: Carlos Tramontina, por favor.
Carlos Tramontina: Ministro, lei seca. Em muitos estados, apesar do juiz eleitoral afirmar: “Amanhã quem vender bebida alcoólica, quem ingerir bebida alcoólica vai ser preso”; na prática, ninguém é preso e a bebida alcoólica é comercializada e consumida abertamente. Em outros estados, a lei é levada a “ferro e fogo”. Aqui, em São Paulo, por exemplo, houve prisões. Qual a opinião do senhor? O senhor não acha que até quem foi preso, em São Paulo, não acabou pagando por algo que a grande maioria não pagou? O senhor não acha que, até pelo fato de em muitos estados haver a comercialização de bebida alcoólica e no pleito não ter ocorrido nenhum risco... Qual a opinião do senhor?
Francisco Rezek: Carlos, a lei seca não significa que as pessoas estão proibidas de ingerir bebidas alcoólicas em ambientes privados, apenas que é evitado o consumo de bebidas alcoólicas em lugares abertos ao público, porque é nesses lugares que o consumo excessivo de álcool pode levar a embates inconvenientes na véspera da eleição, no dia do próprio pleito. Agora, a lei seca, ao contrário de que muitas pessoas supõem, não é uma postura federal, não faz parte da legislação eleitoral de âmbito nacional, ela fica a cargo das administrações eleitorais a nível local, por isso as regras variam de um lugar a outro. A lei seca atua lá onde a autoridade eleitoral entende que ela deve atuar. Pode, o Tribunal Regional Eleitoral desse ou daquele estado, abster de qualquer iniciativa entendendo que não há, na tradição do estado, problemas resultantes do consumo etílico. A própria fiscalização do cumprimento da lei seca, quando aplicada em nível local, varia também de um estado ao outro. O nível de tolerância da autoridade para com o eventual abuso varia, portanto. Eu acho que isso não é um ponto importante, eu acho que isso não é um ponto importante nos incidentes que a nossa história eleitoral registra. O exaltar dos ânimos, na maioria dos casos, não teve a ver com álcool, teve a ver com outras emoções, com outros fluídos na corrente sanguínea que não o álcool.
Mauro Chaves: O que tem acontecido em São Paulo é dos bares servirem uísque em xícaras de café...
Francisco Rezek: Como faziam nos EUA durante a lei seca propriamente dita [Proibição geral do consumo de álcool que vigorou nos EUA no início do século XX].
Alex Solnik: Ainda que o senhor não goste de revelar o seu voto, eu queria saber primeiro se o senhor já definiu em quem vai votar, mesmo sem dizer qual será o seu eleito. E a segunda [pergunta], o senhor disse que os dois candidatos eram diferentes. Eu queria saber que diferença o senhor estabelece entre os dois candidatos finalistas.
Francisco Rezek: Quanto à definição do meu voto, Alex, eu preferi não refletir sobre isso, eu preferi me concentrar de tal maneira num acompanhamento da campanha e nas cautelas que devo tomar para que tudo corra bem no processo relacionado com o segundo turno que, simplesmente, abstrai isso, desliguei, disse a mim mesmo: só pensarei nisso na noite do dia 16 de dezembro [na véspera do segundo turno].
Alex Solnik: Nem com esse clima aqui que o senhor está encontrando...
Francisco Rezek: Eu encontro grande facilidade em ver os aspectos positivos de uma e outra das candidaturas e em prestigiar aquilo que elas possam oferecer de bom. Mas não tenho a preocupação consciente de me definir. Eu, realmente, me guardo para uma hora um pouco mais próxima do pleito. Quanto às diferenças, é um fato notório, Alex, que poderíamos estar chegando a esse segundo turno com duas candidaturas parecidas ou muito parecidas em virtude de uma série de coisas na marcha que nos levaram até o dia 15 de novembro. Mas nós temos em mesa duas candidaturas diversas no que concerne ao passado dos candidatos, ao seu estilo político, à sua atuação, aos seus grupos de apoio, às suas propostas imediatas e à visão do nosso futuro. Então, há realmente uma opção, ninguém poderia jamais negar que a cédula do segundo turno, embora tão magra no seu espaço em relação àquela do primeiro, está a refletir uma opção verdadeira, e isso é altamente positivo. Eu penso que o eleitorado poderia se sentir constrangido se assim não fosse e se as candidaturas oferecessem um elevado grau de similaridade.
Rodolfo Konder: O senhor consideraria importante... Falou-se da questão da bebida, o senhor disse que não achava que fosse uma questão importante. Mas o senhor considera importante a questão, por exemplo, da violência que tem aflorado em alguns choques de rua, comícios que são desfeitos por pressão de grupos dispostos à agressão física, enfim. O senhor acha que isso deve ser encarado como um dado relevante nessa campanha?
Francisco Rezek: Sim, Rodolfo, me parece que esse é um dado relevante, é algo que causa extrema consternação nos observadores neutros do processo. Agora, quero crer que, para o nosso consolo, isso causa ainda maior consternação nas próprias candidaturas quando, de algum modo, se entregam a algo que depois não se orgulham, a algo que possa comprometer as respectivas imagens. Aí eu penso que essa colocação teórica é também rigorosamente neutra, por que há acusações recíprocas quanto à causa da violência e quanto àquilo que conduz à violência. Mas eu confio grandemente no poder de autocrítica das pessoas que, no Brasil, fazem política e no efeito profilático de acontecimentos dessa natureza, um efeito de vacina que um episódio penoso pode representar para os dias seguintes; e parece que está representando.
Jorge Escosteguy: Agora, ministro, na televisão ao menos não há aparentemente um menor constrangimento das duas candidaturas quanto à violência verbal. Essa campanha tem sido, talvez, uma das campanhas mais agressivas da história recente do Brasil; não para presidente da República, já são 29 anos, mas há uma agressão muito grande de parte a parte, não há um menor constrangimento em relação a isso. Como o senhor vê essa violência na televisão? Ou seja, em vez de discutirem programas de governo com profundidade, passam os dois candidatos a se agredir mutuamente quase que todo programa.
Francisco Rezek: É uma opção política dos candidatos, Jorge Escosteguy, de conduzir para uma divisão do tempo disponível no horário gratuito que consagra a exposição do programa ao convite, ao anúncio das sendas de um futuro próximo; ou realizar e consagrar a crítica ao adversário que, agora, para cada um deles se reduziu a um só, ao outro. É muito difícil para um juiz fazer uma análise aprofundada desse fenômeno e em que medida estariam sendo sensatos os candidatos na distribuição que fazem do tempo – perspectivas, ataques. Agora, eu diria que eles estão sendo mutuamente ásperos e que a crítica que se fazem é uma crítica extremamente firme; dura, por vezes. Não penso que tenhamos chegado a um patamar de violência recíproca no horário gratuito. Eu imaginava que as coisas fossem tomar mais ou menos esse rumo no segundo turno por causa da inevitável polarização. Veja que até hoje, já com vários dias corridos de campanha, diversos pedidos de exercício do direito de resposta chegaram ao Tribunal e nenhum foi atendido. E porque nenhum foi atendido? Em todos os casos dissemos: “Não houve aí uma afronta direta à honorabilidade pessoal do adversário”. O que há é uma ferrenha crítica política ao partido adversário, à metodologia política, à administração, ao passado político, mas sem se resvalar para um ataque a honorabilidade pessoal, porque só nessa hipótese consegue-se o direito de resposta. E o fato de não se haver concedido nenhuma resposta até agora, já com algum tempo de campanha do segundo turno, me parece significativo de que na opinião do Tribunal não se passou desse limite.
Izalco Sardenberg: Ministro, acho que nós estamos vendo, desde o primeiro turno, que a Justiça Eleitoral funciona e funciona bem, funciona a contento, pelo menos nessa eleição pode-se perceber provas consistentes desse funcionamento. No entanto, não se diz a mesma coisa a respeito do judiciário, de maneira geral. Eu quero lembrar aqui para o senhor... naturalmente, o senhor é membro da mais alta corte do país, o Supremo Tribunal, e conhece bem os problemas que o judiciário enfrenta. Porque, no Brasil, o judiciário tem tantas dificuldades a ponto das pessoas ficarem aborrecidas cada vez que tem que recorrer ao judiciário?
Francisco Rezek: Desacreditadas.
Izalco Sardenberg: O senhor acha que com a Constituição isso vai mudar ou não?
Francisco Rezek: Veja, primeiro, eu acho que isso tem mais a ver com o direito existente hoje no Brasil e, notadamente, com as regras processuais do que como opção estilística dos juízes, do que com a vontade dos juízes e aquilo que seja dependente da escolha deles. O nosso direito reclama modificações profundas, simplificativas em geral. Agora, é preciso dizer duas coisas: primeiro, a idéia do Juizado das Pequenas Causas que a Constituição de 1988 prestigiou ao extremo e que inúmeros estados já estão implementando com grande sucesso. É uma idéia brilhante, é uma idéia magnífica, isso vai conduzir a bom termo, porque aí não se põem as pessoas simples, as pessoas comuns, cujas causas são necessariamente pequenas, porque não há, nessas pessoas, um embasamento econômico que lhes permitem entreter grandes causas em juízo. Nessas causas pequenas, então, dispensa-se a intermediação, tem acesso direto ao juiz, expõe ao juiz e ouve-se dele uma decisão mediante um processo contraditório sim, mas não intermediado e não formalizado. Eu não estou absolutamente querendo excluir a classe dos advogados desse processo, pelo contrário, é a minha profunda admiração pelo exercício da boa advocacia que me leva a admirar o Juizado das Pequenas Causas, acho que o advogado não deve fazer coisas pífias ganhando, com isso, dinheiro de pessoas modestas. Eu acho que ele deve se consagrar ao que há de mais complexo, ao que reclama mais aprofundado exercício da inteligência e da técnica que lhe foi dada nas faculdades de direito. De modo que eu tenho grande esperança no futuro próximo, a partir dos juizados de pequenas causas que a Constituição de 1988 quis valorizar. Agora, outra coisa, quanto às dificuldades que as pessoas dos estratos mais humildes da sociedade enfrentam ante à Justiça, eu receio que isso seja apenas uma das facetas de um problema bem mais amplo, que é a dificuldade que essas camadas têm de acesso a tudo. No caso do sistema de saúde, no caso da medicina, essas dificuldades me parecem ser muito mais graves do que aquelas de acesso à Justiça, no caso de acesso à educação também. Então, aí nós estaríamos, de certo modo, travestindo a magnitude do problema em seus aspectos mais graves. Estaríamos sendo escamoteados se nos limitássemos a dizer que o pobre tem dificuldade com a Justiça. Não, o pobre tem dificuldades com tudo, e há certas dificuldades que ele enfrenta que são mais graves para ele do que aquelas que têm perante a Justiça. Agora, acredito que, no concerne ao judiciário, essa comunicação direta com as pessoas, com o juiz através da técnica do juizado de pequenas causas vai nos trazer grande proveito, isso não vai tardar.
Mauro Chaves: Ministro, dentro desse aspecto da imagem da Justiça eu quero levantar uma questão para o senhor que é o seguinte: além do acesso à Justiça, a imagem da magistratura é fundamental. Aqui em São Paulo, existe uma lei que estipula para qualquer ato extrajudicial - escrituras, inventários etc - uma percentagem de custas e monumentos para a Associação Paulista dos Magistrados. A Associação Paulista dos Magistrados, com essas verbas, constrói colônias de férias, como fez uma no Guarujá, que é uma colônia luxuosa, com piscina etc, e uma série de outras coisas para os associados. Eu perguntaria ao senhor: o senhor concorda com essa lei? Porque várias tentativas houve para se derrubar essa lei, o deputado José Dirceu [político e advogado brasileiro, com base política no estado de São Paulo, um dos fundadores do PT - Partido dos Trabalhadores. Exerceu vários mandatos como deputado federal por São Paulo e foi ministro no governo Lula] tentou, inclusive, modificar a Constituição, criar uma causa impeditiva na Constituição de São Paulo e não conseguiu. Eu perguntaria ao senhor: o senhor é a favor dessa lei? E não sendo, qual seria a medida, o mecanismo que pudesse coibir, a partir do próprio judiciário, esse tipo de situação que, realmente, desprestigia a imagem da magistratura perante a opinião pública?
Francisco Rezek: Veja, eu tenho para você uma resposta mais terminativa ainda do que pudesse esperar. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nos últimos anos em pelo menos dois casos sobre esse exato fenômeno. A percepção de certa soma, de recolhimento compulsório e, portanto, com essa natureza tributária, em benefício de uma entidade de classe por meritória que seja, em benefício de algo que não seja um incremento do tesouro público na sua integralidade. E o Supremo Tribunal Federal, ao examinar normas tributárias dessa índole, existentes na época em pelo menos dois estados da federação - se não me engano em Goiás examinou-se esse problema e na Bahia, não sei se em Minas Gerais também -, mas o Supremo veio a derrubar essas regras entendendo-as inconstitucionais...
Mauro Chaves: E como elas continuam...
Francisco Rezek: É porque, talvez, não tenha havido uma provocação ao Tribunal, no caso de alguns estados. O Supremo considerou esse mecanismo inconstitucional para duplo títulos, seja pela razão de que não se pode arrecadar com a compulsoriedade do sistema tributário, seja por uma razão acessória, mas também presente no nosso sistema constitucional: não pode nenhum tributo, ao ser arrecadado, já estar previamente destinado ao certo fundo, a certa despesa, a certa forma de utilização. Foram processos de solução pouco difícil; primeiro deles, pelo menos, foi examinado com muita cautela por vários membros do tribunal e o seu exame se arrastou durante alguns meses, mas terminando com uma decisão bastante firme no sentido de suprimir esse tipo de norma no sistema tributário estadual. Sucedeu em pelo menos dois, se a memória não me trai, talvez em três estados.
Mauro Chaves: São Paulo ninguém entrou com processo?
Francisco Rezek: A questão é que o tribunal nunca age ex ofício, nunca age por iniciativa própria, está sempre na dependência de que alguém o provoque.
Jorge Escosteguy: Ministro só um minutinho, o Dalton tem uma pergunta para o senhor, depois o Marcelo.
Dalton Moreira: O senhor tem se mostrado muito hábil em suas colocações, muito tranqüilo, bastante pausado, pensa muito antes de falar alguma coisa, mineiramente e, às vezes, sutilmente. Eu gostaria de perguntar para o senhor, o senhor pretende se lançar na política?
Francisco Rezek: Nunca.
Dalton Moreira: Nunca?
Francisco Rezek: Não.
Dalton Moreira: O seu antecessor foi o ministro da Justiça e era deputado.
Francisco Rezek: O meu antecessor na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ele veio da política desde muito jovem, ele fez carreira na política. Ele sempre teve um gosto extremo pela política. Na época do período militar, quando foram extintos os velhos partidos e o país se reduziu à dicotomia Arena e MDB [Bipartidarismo AI-02], Oscar Corrêa [(1921- 2005) jurista. Foi ministro do Supremo Tribunal Federal (1982-1989) e ministro da Justiça (1989)] retirou-se da política inconformado com aquilo, ficou na advocacia até o momento em que foi para o Supremo Tribunal Federal. Recentemente à sua ida – transitória, é certo - mas a sua ida para o Ministério da Justiça foi apenas uma volta àquilo que havia sido a sua origem.
Dalton Moreira: Apesar do senhor não ter candidato do segundo turno, esse não seria um caminho também para o Ministério da Justiça?
Francisco Rezek: De maneira nenhuma, eu não me vejo no governo e, sobretudo, não me vejo na vida partidária. Eu não conseguiria me imaginar pedindo aos meus compatriotas que aceitassem tais ou quais propostas. Eu penso que é uma questão de estilo. Respeito profundamente a classe política, mas essa carreira exige certas características, certas habilidades que eu receio não ter, não tenho esse propósito.
Jorge Escosteguy: Nós estamos já no final do programa, o nosso tempo está se esgotando, uma pergunta rápida do Alex, e outra do Marcelo para encerrar, por favor.
Alex Solnik: Eu acho que algumas pessoas ainda têm dúvidas se o candidato precisa para se eleger realmente chegar aos 51% ou se qualquer resultado que ele alcançar maior do que o outro, menos os brancos e nulos, já faz dele o eleito. Eu queria que o senhor explicasse quanto valem os votos brancos e nulos, mesmo que um resultado seja, [por exemplo], um que tenha 15% e outro 14% e o nulo seja a maioria.
Francisco Rezek: Alex, o Código Eleitoral tem um artigo de número 224 que diz que, se numa eleição majoritária o índice de votos nulos for superior à metade do eleitorado anula-se a eleição e faz tudo de novo. Isso nunca aconteceu na nossa história e duvido que tenha acontecido na história de algum outro país; então, é uma hipótese surrealista. Agora, de qualquer maneira, o artigo 224 do Código Eleitoral não vale em relação à eleição presidencial, porque essa é disciplinada pela nova Constituição, que diz que ganha em primeiro turno quem obtiver a maioria absoluta dos votos válidos, dos votos em candidatos, isto é, excluídos os brancos e os nulos. E ninguém conseguiu esse índice no primeiro turno. Quanto ao segundo, ficou dito que ganha aquele que obtiver a maioria de votos válidos novamente, quer dizer, aí se usa a expressão válida confrontada com a fórmula do parágrafo precedente, o que levou algumas pessoas a acreditarem que, se o candidato mais votado no segundo turno tivesse um número de votos inferior à soma dos votos do seu opositor com [mais] os brancos, nós acabaríamos num impasse: não acabou, tem que ter um terceiro turno. Essas idéias, com todo respeito por aqueles que a sustentaram, não condizem com a correta compreensão da Constituição de 1988. A constituição fala em terceiro turno? Não fala. As coisas se liquidam no segundo turno.
Jorge Escosteguy: Ou seja, quem tiver mais votos leva.
Francisco Rezek: Quem tiver mais votos do que o outro leva. É de total desimportância os índices de abstenções, o índice de votos nulos e o índice de votos brancos. Mas eu continuo achando, Jorge Escosteguy, que isso é uma questão estritamente acadêmica, porque o índice de abstenções de votos brancos e nulos vai ser tão modesto quanto no primeiro turno ou mais. Não estaremos próximos de correr esse risco.
Jorge Escosteguy: Ministro, para encerrar, Marcelo Beraba, por favor.
Marcelo Beraba: Ministro, o senhor fala sempre com muito entusiasmo sobre o processo eleitoral em si, sobre a vivência que a gente está tendo com esta eleição. Agora, a situação do país é uma situação crítica em relação à economia e mesmo [em relação] ao momento político. O senhor tem algum nível de angústia, algum tipo de angústia quando pensa no futuro imediato pós-eleição, pós 17 de dezembro?
Francisco Rezek: Tenho, Marcelo, eu compartilho todas as apreensões que todos os brasileiros que refletem sobre a nossa situação atual tenham a propósito da gravidade da crise, sobretudo, a propósito do problema da dívida pública externa e interna. Agora, eu acredito muito na força do presidente eleito exatamente por conta de como se terá transcorrido, como se terá passado o processo eleitoral, de como este homem, dentre os dois candidatos que o povo brasileiro vier a preferir no dia 17 de dezembro, da grande força com que ele chegará ao poder em 15 de março e das potencialidades que estarão em suas mãos para tentar uma solução imediata para a crise. Sobretudo no seu diálogo com o exterior, mas também no seu diálogo com a nossa sociedade e no reclamo austero de alguns sacrifícios, sobretudo aos que podem fazê-los, para que cheguemos ao bom termo. A crise é bastante séria, Marcelo, mas eu acho que a força do novo presidente da República, seja ele qual for dentre os dois candidatos será suficiente para que com boa fé e com talento ele consiga debelar.
Jorge Escosteguy: Ministro, nós agradecemos muito a sua presença esta noite aqui no Roda Viva, agradecemos também a presença dos nossos convidados e jornalistas. E o Roda Viva volta, não na semana que vem quando estaremos tratando exclusivamente de eleições na TV Cultura, mas no próximo dia 25, às nove e meia da noite. Muito obrigado e uma boa noite a todos.






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