O número de experiências destinadas a oitivas de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual cresceu mais de 20 vezes de 2003 a 2011. É o que mostra a Cartografia Nacional das Experiências Alternativas de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em Processos Judiciais no Brasil, lançado nesta terça-feira (26/11), pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Elaborado em conjunto com a Childhood Brasil e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o estudo mostra a existência de 42 práticas em desenvolvimento nas 40 salas especiais em funcionamento em 15 unidades da Federação.
A pesquisa é um verdadeiro mapa da aplicação da metodologia no Brasil. O depoimento especial é o conjunto de técnicas e procedimentos usados para se obter declarações de crianças à Justiça de maneira a evitar ao máximo o sofrimento a que geralmente são submetidas nessas situações.
“Embora haja mais de uma nomenclatura, o depoimento especial é uma forma de tentar ouvir as nossas crianças, sejam elas vítimas ou testemunhas, de forma a trazer o fato ou a reconstrução do fato ao processo judicial, mas sem revitimizar as crianças ou renovar o sofrimento que elas tenham passado”, disse o secretário-geral adjunto do CNJ Marivaldo Dantas, que presidiu a solenidade de lançamento do livro.
Para o juiz André Gomma, que representou o conselheiro Emmanoel Campelo no evento, o depoimento especial é uma forma de se considerar os sentimentos da vítima em um processo penal. “O depoimento especial é um projeto prioritário da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ. O presidente da comissão, conselheiro Emmanoel Campelo, sempre diz que o depoimento especial é uma forma fina de se tratar o acesso à Justiça no século XXI”, afirmou.
Segundo a coordenadora de programas da Childhood Brasil, Gorete Vasconcelos, os dados da pesquisa foram coletados em 2011 e, por isso, não refletem a disseminação da metodologia do depoimento especial pelo país. “Hoje estimamos que existam cerca de 100 salas de depoimento especial no Brasil. No início do mês, firmamos termos de cooperação com o Tribunal de Justiça de São Paulo para implantação de mais 22 salas”, disse.
De acordo com a representante do Unicef, Casimira Benge, a documentação inédita das experiências de depoimento especial no Judiciário vai contribuir para melhorar o atendimento às crianças prestado pelos órgãos do sistema de Justiça, “que ainda é um desafio no Brasil”, afirmou a representante do Unicef, que prometeu levar a publicação a outros países.
A cerimônia de lançamento da publicação antecedeu a abertura do módulo presencial do Curso Depoimento Especial e Escuta de Crianças no Sistema de Justiça, ministrado pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Servidores do Poder Judiciário, departamento do CNJ. Até quinta-feira (28/11), uma turma de 50 alunos selecionados entre profissionais que lidam com depoimento especial no Poder Judiciário será capacitada por magistrados e especialistas no assunto.
Estudo – Os dados foram coletados por meio de questionários enviados pelo CNJ aos 26 tribunais de Justiça do país e do Distrito Federal. Na compilação das informações, evidenciou-se o crescimento exponencial das salas destinadas ao depoimento especial em relação a 2003, quando a prática foi inaugurada no país com a instalação de uma unidade especial para oitivas na vara da infância e juventude de Porto Alegre (RS).
A diferença numérica entre o número de experiências em desenvolvimento (42) e o de salas existentes (40) se deve ao caso do Rio Grande do Sul, que decidiu compartilhar a utilização do ambiente entre algumas comarcas próximas. Segundo a cartografia, 55% dos espaços encontram-se na Região Sul. A Região Sudeste aparece em segundo lugar, com 17% das salas de depoimento especial, seguida da Região Nordeste, com 15%, Região Centro-Oeste, com 8%, e a Região Norte, com 5%.
Recomendação – O depoimento especial visa a evitar a revitimização das vítimas. Na Recomendação nº 33, o CNJ sugere aos tribunais que a oitiva seja realizada em ambiente lúdico, especialmente projetado para o acolhimento das crianças e adolescentes. O espaço deve ficar separado da sala de audiências, porém conectado a ela por meio de equipamento de áudio e vídeo, para a transmissão e gravação do depoimento. Essa última medida tem por finalidade evitar que as vítimas ou testemunhas voltem a depor.
Resultados – Nesse quesito, a cartografia mostrou que a prática obteve bons resultados. Na inquirição tradicional, as vítimas ou testemunhas de violência sexual chegavam a prestar até oito depoimentos desde a revelação do abuso. Dentre os tribunais que aplicam a metodologia e que responderam à pesquisa, 81% afirmaram que as crianças ou adolescentes são entrevistados uma única vez. Outros 13% explicaram que a escuta é feita uma vez, porém com a possibilidade de se desdobrar em outras sessões e 3% informaram que o número de oitivas fica a critério do juiz.
De acordo com o estudo, 43% dos tribunais de Justiça estabeleceu que a inquirição seria conduzida por profissionais de psicologia e serviço social. Outros 41% optaram apenas pelos profissionais de serviço social, e outros 5% somente pelos psicólogos. A equipe multidisciplinar figura em 11% dos tribunais.
Sobre a qualificação, 13,84% das cortes de Justiça informaram que suas equipes participaram de algum tipo de capacitação. Outros 11% afirmaram que ainda não realizaram cursos e 5% não prestaram qualquer informação acerca desse assunto. No entanto, 95% dos entrevistados disseram considerar a capacitação uma necessidade para atuar na entrevista forense de crianças e adolescentes.
Saiba mais sobre a pesquisa. Veja a íntegra aqui.
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