terça-feira, 5 de novembro de 2013

Cientista político da Unesp analisa ação partidária

Manifestantes apontaram nas ruas vínculos frágeis entre líderes e sociedade

Em junho, quando a população foi às ruas demandar melhorias nos serviços públicos, alguns cartazes pediam “fora todos os partidos”. Desde então, a importância deles na cultura política do brasileiro passou a permear os debates sobre a conjuntura. Nas reportagens, entrevistas e conversas não mediadas observa-se uma tendência a considerar excessivo o número de 32 partidos nacionais. Neste dia 31 de outubro, a Presidente Dilma Roussef sancionou a Lei nº 12.875, de 30 de outubro de 2013, que dificulta a criação de novas siglas.
Buscando contribuir com o debate, o Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (Ippri/Unesp) realizou entrevista com o cientista político Jefferson Goulart, professor do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp, Câmpus de Bauru, e pesquisador do CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea). 
IPPRI - A Constituição Federal em vigor estabelece o partido político como instrumento institucional de representação de ideias e interesses. Nossos 32 partidos cumprem essa função? Têm atuado efetivamente como canalizadores e representantes das expectativas e demandas sociais?
Goulart - Os estudos mais consistentes sobre nosso sistema partidário revelam dados surpreendentes que contrariam o senso comum: os partidos demonstram um comportamento coerente com seus programas (tanto à esquerda quanto à direita e ao centro do espectro ideológico), têm sido capazes de organizar razoavelmente o processo decisório e há mais disciplina interna do que se poderia supor. Essa constatação não significa que tudo anda bem, mas desautoriza conclusões catastrofistas que são veiculadas com alguma frequência. O maior problema é mesmo a distância na relação entre governantes e governados, ou seja, em que medida os partidos conseguem cumprir a missão de organizar a sociedade com base em interesses e demandas particulares. Essa dimensão é, provavelmente, o elo mais frágil da ação partidária, pois parcelas crescentes da sociedade não se sentem representadas e os partidos estão cada vez menos enraizados socialmente, embora possam criar e manter máquinas eleitorais competitivas.
IPPRI - Os partidos não são estruturas associativas excessivamente centralizadas, que transferem poder demais para as cúpulas em detrimento das bases, dos militantes e simpatizantes? Como fazer para modificar isso?
Goulart - Impossível não lembrar de Michels [Robert Michels] e sua lei de ferro: toda organização burocrática enseja relações entre comandantes e comandados e a formação de oligarquias dirigentes. Com os partidos não é diferente, como acontece com qualquer estrutura (sindicatos, universidades, ONGs etc.). Alguns poucos partidos conseguem instituir mecanismos de participação e consulta, mas a grande maioria efetivamente é pouco suscetível às suas bases. Para alterar esse cenário, seriam necessárias mudanças em pelo menos dois níveis que são bastante complexas: primeiro, no plano institucional, criar mecanismos genéricos na legislação que exigisse dos partidos maior participação de filiados e simpatizantes (prévias ou primárias, eleições diretas para dirigentes etc.); segundo, em termos de cultura política, investir amplamente em educação para a cidadania no sentido de valorizar o papel dos partidos políticos e o caráter civilizatório da defesa da esfera pública. Mas, convenhamos, estaríamos sendo demasiado normativos!
IPPRI - Acredita que o desinteresse do brasileiro pela política pode ter origem na falta de representatividade dos partidos e líderes políticos?
Goulart - Não estou convencido de que a ausência de uma cultura partidária esteja diretamente relacionada ao perfil dos atuais partidos e ao desempenho de seus líderes. Para ser sincero, não considero a “classe política” pior do que outras instituições. Nossa experiência democrática é muito recente (menos de 30 anos) e, de resto, a propalada “crise” dos partidos e da representação tem escala planetária, inclusive em países em que a tradição partidária é mais forte. Esse desinteresse pela vida pública me parece mais vinculado a dois aspectos. Primeiro: com a demonização da própria política, como se fosse possível purificar algo que, por definição, é uma atividade mundana; segundo: em uma sociedade que dissemina valores individualistas e egoístas sistematicamente, o ideal do cidadão taciturno é muito valorizado e exaltado. É como se o mérito individual fosse a recompensa e a proteção para todas as agruras da vida pública. Nesse cenário é mesmo difícil defender a importância da política.
IPPRI – Neste dia 31 de outubro, o Diário Oficial da União publicou  a lei que impede a migração dos votos junto com o parlamentar que aderir à criação de uma nova legenda. Dessa forma, o novo partido não terá acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão. Acredita que esse mecanismo terá efeito positivo sobre a dinâmica e ajudará a melhor regular a criação e o funcionamento dos partidos?
Goulart - Não estou entre os que consideram “excessivo” o número de partidos. Ademais, não existe na literatura e tampouco no mundo real nenhum gabarito que defina qual a quantidade ideal de partidos em uma democracia. Os críticos de nosso multipartidarismo exacerbado têm o ônus da prova! Partidos reconhecidos na Justiça Eleitoral não é a mesma coisa que partidos efetivamente relevantes no processo decisório. A rigor, são poucos os partidos relevantes. O mais importante é assegurar que os partidos sejam representativos da sociedade e que rediscutamos as competências dos poderes constituídos, pois a configuração atual torna o Executivo muito mais forte que o Legislativo. Não obstante, mecanismos de desestímulo à migração partidária e outras medidas (correção das distorções do sistema representativo, proibição de coligações para eleições proporcionais etc.) podem ser úteis no aprimoramento democrático.
IPPRI - Sem conseguir criar o Partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva filiou-se ao PSB (Partido Socialista Brasileiro) liderado pelo governador de Pernambuco Eduardo Campos. Acredita que essa coligação embaralhou a sucessão presidencial em 2014? Que desdobramentos ela poderá ter?
Goulart - É claro que a opção de Marina Silva altera o cenário de 2014, seja qual for a ordem hierárquica da chapa de candidatos do PSB. A julgar pelas últimas três eleições, o cenário mais provável é de uma disputa em dois turnos. E nesse jogo, uma das vagas estará preenchida por Dilma (PT, PMDB). Assim, a candidatura do PSB disputará a vaga restante com a oposição tradicional (PSDB, DEM, PPS). Como aconteceu em 2010, um dos principais protagonistas desse processo não será candidato, mas a influência do ex-presidente Lula será novamente testada. O PSB terá uma tarefa triplamente difícil: convencer os eleitores que aprovam o governo de que representa uma opção melhor; cativar os eleitores do campo oposicionista com o argumento de que é efetivamente de oposição; enraizar-se socialmente e em unidades da federação com mais peso político-eleitoral. A menos de um ano do pleito, não são empreitadas das mais fáceis.

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