Camões Filho
O tempo não pára, já cantava Cazuza.
E nessa corrida tresloucada, as novidades tecnológicas que surgem a cada dia
transformam em verdadeiras peças de museu aquilo que até ontem era moderno.
Veja o exemplo do videocassete, que aqui no Brasil surgiu lá nos anos oitenta
do século passado. Foi um furor. Todo mundo queria ter um, para assistir em
casa os filmes que antes só se viam no cinema. Taubaté não tinha então mais
nenhum cinema, não havia ainda TV a cabo, e tudo isso contribuiu para que o
videocassete passasse a ser o objeto de desejo de todos os cinéfilos.
Meu primeiro vídeo foi um daqueles G-9. Pesava uns dez quilos. Nos primeiros
anos, pegava filme todo dia na locadora do Roberto, que ficava ali pertinho da
Prefeitura, em frente do antigo Banco de Sangue. Em três anos eu assisti mais
de mil filmes. Percorri toda a filmografia mundial. Revi todos aqueles filmes
que curtia nos velhos cinemas de Taubaté: Palas, Metrópole, Urupês, Odeon e Boa
Vista. O que gastei com aluguel de fita dava para comprar um Fusquinha
meia-meia.
Um
dia peguei para ver o clássico “Casablanca”. Tinha um amigo, o jornalista
Lázaro Macedo, com quem trabalhara no ValeParaibano, que amava este filme.
Preparei uma verdadeira sessão de cinema à noite em casa, com direito a pipoca
com guaraná. Nos reunimos na sala e apertei o play.
Foram, a seguir, duas horas de sonho e entretenimento. O Lazão, que era muito
emotivo, chorou feito criança com o romance vivido por Rick e Ilsa,
interpretados por Humfhrey Bogart e Ingrid Bergman. A história se passa na
Segunda Guerra Mundial. Enquanto cidades são invadidas pelos alemães, eles
conseguem viver um romance intenso e inesquecível em Paris. O que torna a
história mais interessante é exatamente a impossibilidade deste amor continuar.
O roteiro e os diálogos do filme, dirigido por Michael Curtiz em 1942, são
perfeitos nesse sentido. llsa, a bela atriz sueca lngrid Bergman, apaixona-se
por Rick, o charmoso galã Humphrey Bogart, mas, em vez de fugir com ele de
Paris, manda-lhe um bilhete de despedida na estação de trem. Ele parte sem
entender o que havia acontecido. Tudo isso é contado em flashback. Anos depois
já em Casablanca, na Marrocos francesa, ela aparece com seu marido, o herói
Victor Laszlo, interpretado pelo ator Paul Henreid, justamente no Rick's Bar,
do qual o personagem de Bogart é dono. Eles estão à procura de um meio de fugir
para a América. O sofrimento de Rick ao vê-la é inevitável e ela fica novamente
dividida entre seus dois amores. O sucesso do filme, que até hoje continua
ganhando muitos fãs de todas as gerações, explica-se pela fórmula bem dosada de
romance, humor, intriga e suspense.
O pano de fundo para o romance vivido por Rick e
llsa não poderia ser mais tenebroso, com os estrondosos canhões nazistas que
invadiam Paris. Logo no começo do filme, dois soldados alemães são assassinados
no trem e as suspeitas da polícia recaem sobre os traficantes de vistos de
saída. Um deles é detido em pleno Rick's Bar e morto ao tentar escapar. O clima
volta a ficar tenso quando o líder da resistência francesa Victor Laszlo
desafia os nazistas cantando o hino da França, A Marselhesa, encobrindo a
cantoria embriagada dos soldados nazistas. No final do filme, o capitão Renault
– um personagem bonachão e corrupto - joga a garrafa de água Vicky no
lixo num claro protesto contra o protecionismo francês. Caminhando na noite de
Casablanca, Rick, diz a ele a célebre frase final do filme: “Isso é o começo de
uma grande amizade”.
Todo admirador desse filme curte a
música tema, “As time goes by”, que Sam, interpretado pelo ator Dooley Wilson,
toca para o romântico casal em Paris e, depois, é forçado a repetir para os
saudosos amantes. Um dos momentos mais emocionantes do filme acontece depois
que lisa reconhece Sam no Rick's Bar e pede para ele tocar essa música: “Toque
outra vez, Sam, toque a nossa música”.
O emotivo coração do amigo Lazão não
suportou todas as emoções de uma vida tão atribulada quanto a de Rick. Anos
depois, ele foi operado, botou cinco pontes de safena, até que um dia ele
partiu e nos deixou. Como diria Guimarães Rosa, encantou-se...
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Camões Filho, jornalista, escritor e pedagogo, é
membro titular da Academia Taubateana de Letras.
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