quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Para meu pai

Camões Filho

Queria fazer uma crônica para meu pai... e foi com esse pensamento, que me lembrei dos meus tempos de criança.
Quando era moleque, passar as férias escolares no sítio de meu pai, na roça, era uma festa. Muitos dias antes da viagem começavam os preparativos. Juntava numa velha mala, presente de minha avó, gibis, livros, figurinhas, estilingue, bolinhas de gude. Mais uns três pijamas de flanela – era muito frio lá no sítio do Borba – minhas calças curtas de suspensórios sempre do mesmo pano e as camisas sempre com vermelho, verde e marrom formando o xadrez do brim grosso. Quando percebia, a mala estava abarrotada de badulaques. Assim como um saco branco, desses de trigo das padarias, onde jogava tudo que não coubera na mala.
No dia marcado acordávamos bem cedo. E seguíamos, eu, minha mãe, meu pai. O caminhão leiteiro, a única condução possível, parava no ponto de um armazém, repleto de roceiros e matutos. Mamãe viajava na cabine, lugar mais confortável, e por mais que insistisse eu seguia na carroceria, agarrado com meus bracinhos curtos à longarina. Era para mim o paraíso ouvir os caboclos, com suas vozes caipiras, cuspindo de lado, mascando fumo. Sentia-me gente, mais adulto em meus oito anos.
Na roça, a vida era incrivelmente bela em seu dia-a-dia comum. Leite tirado na horinha com açúcar e Toddy, assalto aos pomares, andanças de cavalo. E ouvir fantasmagóricos “causos” no pé do fogão, tremendo de frio e medo. Caçar passarinho, banhar-me num ribeirão cujas águas jamais passavam de meus joelhos, colecionar os meus incríveis insetozinhos, eram as coisas gostosas daqueles tempos.
No entanto, ficava intrigado com os morros, fantasmas à minha frente. Minha mãe, com seus cuidados ao filho caçula, não me deixava subir neles. A tardezinha, vendo a algazarra das seriemas e o gado pastando, eu me punha a imaginar: que existiria além daquelas serras? Foi um desafio que jamais logrei desvendar. Aquelas serras, com velhas e esparsas árvores, eram minha fronteira, minha prisão.
Na ampulheta do tempo a areiazinha fez seu vai-e-vem repetidamente. Cresci e cresceu minha calça que também perdeu o suspensório de pano. O sítio do Borba nunca mais tive frente meus olhos. E agora que já sou adulto, que posso ultrapassar todos os morros do mundo para saber o que existem lá do outro lado, fica-me a lembrança do menino que um dia fui. E o tempo se agiganta feito um iceberg, morro dos morros, Everest intransponível e acredito que jamais saberei o que existe além das serras, do outro lado...



MEU PAI
Camões Filho

Meu pai

era de uma austeridade tão doce
mas tão doce

que às vezes eu reinava

e reinava
só para vê-lo zangado.

Meu pai
jogava truco
montava cavalo
e vivia debaixo de um chapéu de palha
igual personagem de aquarela primitiva.

Meu pai
acordava tão cedo
mas tão cedo
que por mais que eu tentasse
surpreendê-lo na cama
ele chegava mais cedo
e roubava a alvorada!



CAMÕES FILHO, jornalista, escritor e pedagogo. E-mail: camoesfilho@bol.com.br

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