terça-feira, 17 de novembro de 2015

TRIBUNA POLÍTICA LIVRE

O Genial Paulo Francis
ELE FOI O CAUSADOR DO LAVA JATO?
Paulo Francis foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores polemistas da história do jornalismo brasileiro. Dono de um estilo único, era extremamente versátil nos assuntos que abordava, apresentava senso de humor acima da média ao redigir seus textos e combinava um repertório intelectual acima da média, utilizando sempre a expressão direta e coloquial. Um jornalista que deixou uma legião de admiradores, detratores, imitadores e inimigos famosos.
De trotskista na juventude a neoconservador e defensor do liberalismo na fase madura da vida, Francis era considerado uma figura mítica em todas as redações por onde passou, desfilando sempre seu estilo único. Com repertório vocabular vasto e textos enxutos, quebrava os paradigmas com naturalidade e muito humor. Um entusiasta do politicamente incorreto, que no trato pessoal se portava de maneira amistosa, simpática e afetiva.
Um criador de casos por excelência, com incrível erudição e capacidade intelectual amedrontadora, Paulo Francis parecia fadado ao ataque; políticos, empresários, feministas, nacionalistas, cantores, escritores, colegas de profissão, etc. Sua armadura de arrogância, que não poupava nem os bons amigos, escondia uma figura tensa, tímida, afetuosa, solidária e desajeitada.
Esse ícone do jornalismo brasileiro, começou sua carreira como ator na Cia. Teatro do Estudante, mas não obteve o sucesso esperado no mundo da Sétima Arte. Posteriormente, engatou vários trabalhos como crítico teatral em diversos veículos. Apesar da paixão pelo palco, o maior legado do teatro em sua vida foi seu próprio nome. Franz Paul era seu nome de batismo. Considerado um nome pouco atraente para a carreira de ator, foi alterado pelo diretor da Companhia de teatro que representava na época. Assim nasceu Paulo Francis.
Engolindo, à contragosto, a nova identidade, Francis tocou a sua existência de um jeito intenso. Bebendo e trabalhando loucamente, viveu do jeito que quis, até ser pego de surpresa por um baita revés profissional. Após uma série de acusações, sofrera um processo nos EUA movido pela alta cúpula da Petrobrás. Ele vinha denunciando a estatal, afirmando que graúdos funcionários estavam enriquecendo graças a negócios irregulares na compra de equipamentos. Seu faro de notícia escondeu o fato de não ter provas suficientes para sustentar as acusações. Sua vida virou um inferno. Entrou em depressão profunda e seu coração não aguentou. Teve um ataque fulminante do coração e nos deixou em 04/02/97.
Se nos anos 90 ele já se considerava ‘tecnicamente morto’, ou seja, derrotado pelo triunfo da mediocridade generalizada, imagine como se sentiria agora.
O velho Francis morreu na hora certa.
Um dos seus maiores arrependimentos foi não ter obtido sucesso na carreira teatral. Para corrigir essa ‘falha’ na carreira do jornalista, lançaremos aqui 10 obras primas dos seus longos anos como polemista profissional.
10 razões para, enfim, aplaudirmos Paulo Francis de pé.
1- Seu estilo era planejado, virulento, polêmico, minucioso e brutal.
“O negócio era demolir”, decretou Francis.
A modernização do Diário Carioca, a exemplo do que Jânio de Freitas faria no Jornal do Brasil, marcou a imprensa dos anos 1950. Passou a vigorar a técnica americana do lide, em que a cabeça da matéria dá as informações essenciais (quem – onde – como – quando – por que), tornando obsoleto o maldito recurso retórico e inútil no início de um texto, deixando em segundo plano o essencial da informação.
Dessas raras lições proveitosas do jornalismo, Paulo Francis assimilou imediatamente o estilo e começou a escrever de forma concisa, direta e sem atalhos. O ‘cão hidrófobo’ do jornalismo brasileiro nascia desse entendimento da construção dos seus artigos.
2- Suas críticas não poupavam os grandes nomes dos palcos da época.
“A direção, cenografia e luz são parte e parcela do espetáculo”, afirmava Francis.
No começo de sua careira como crítico de teatro, Paulo Francis defendia que a direção de arte, os cuidados com a cenografia e a qualidade da luz eram imprescindíveis para a qualidade do espetáculo. Esse óbvio ululante nos dias atuais não era nada óbvio nos anos 60. Só uma minoria compartilhava essa visão. Irritado com o que considerava a estagnação do teatro nacional, Francis evocava os métodos de Stanislavski e do Actors Studio nova-iorquino como opções necessárias à modernização. Tomou porrada de todos os lados, mas o tempo provou que estava certo.
3- Francis abominava os erros crassos cometidos no período da Ditadura.
“O adesismo fisiológico é norma política nacional”, afirmava categoricamente o jornalista.
Três décadas após o golpe de 1964, Francis ainda criticava os absurdos equívocos cometidos no período, como a falta de organização elementar das massas. A esquerda preferia ganhar no grito, sem se preocupar em traçar uma real estratégia revolucionária. Segundo Francis, a esquerda fazia muito barulho contra o imperialismo, exigindo mudanças radicais de base, mas sem lastro algum com a população. E, ao insuflar a quebra de hierarquia das Forças Armadas, acelerou o golpe. O alto grau de improvisação que segundo Francis, poderia ter sido frustrado se houvesse reação do chamado dispositivo militar de Goulart, acrescentou um toque a mais de humilhação na derrota da esquerda. Foi a impetuosidade do General Olympio Mourão que precipitou o movimento, marchando de Minas para o Rio com tropas de recrutas inexperientes e apavoráveis ao primeiro tiro. O próprio Marechal Castello Branco, lembra Francis, criticou Mourão por agir sem o devido preparo. “O movimento militar nunca teve objetivo concreto, produto do consenso dos oficiais responsáveis. Foi, como acredito, parte acidental, parte defesa contra a comunização ou esquerdização caudilhesca do país sob jango ou Brizola.”
4- Nasce o Pasquim. E Francis, obviamente, estava lá.
“Outrossim é a puta que o pariu” Graciliano Ramos
Antes de explicar a bela frase acima, farei um pouco de suspense.
Após sair da cadeia em 1969, Francis passou a se virar com freelances, como sua célebre entrevista com Bertrand Russell para a revista Realidade. Depois de ser preso novamente, dessa vez acusado de envolvimento com o sequestro do embaixador americano Charles Buke Elbrick, embora estivesse na Europa a serviço da Editora Abril no dia do ocorrido. Depois de ser dispensado pelo General, que percebeu a terrível mancada, Francis volta para casa. Seria o início de uma verdadeira revolução na imprensa brasileira. O Pasquim, semanário satírico lendário, saíra do papel; Francis era um dos colunistas.
Pela primeira vez, um jornal escrito inteiramente com a linguagem coloquial, usando a linguagem riquíssima do nosso povo, porém esquecida pelos acadêmicos e maioria da imprensa. Francis justificava esse novo escrever lembrando uma história célebre do venerável Graciliano Ramos quando revisor da seção editorial do Correio da Manhã. “Um dia Graciliano falou: outrossim. Estava lendo um texto. Repetiu várias vezes: outrossim. Por fim, gritou: ‘Outrossim é a puta que o pariu.’ E riscou a palavra sórdida. O Pasquim converteu o expletivo de Graciliano em texto completo”
O semanário nasceu por causa de uma situação de censura, como veículo para um grupo de jornalistas se expressarem, cultural e politicamente. Para Francis, não foi o humor, e sim a censura, a explicação para o sucesso do jornal. “Censurados, não podíamos espinafrar o regime, logo tivemos de dar asas à imaginação, como dizem, e não cair nas reclamações monocórdias típicas da esquerda.”
5- Anos 70. Pasquim a todo vapor. Francis em cana outra vez.
Em novembro de 1970, quase 80% da redação de O Pasquim foi em cana, sob a bizarra acusação de que sua linguagem descontraída era na verdade um código para militares comunistas. Ou motivo, mais concreto, foi uma charge ridicularizando o quadro sobre a proclamação da independência, pintado por Vítor Meirelles; na versão pasquiniana, D. Pedro I grita: “Eu quero mocotó!” (referência a uma canção que fazia muito sucesso na época, com o maestro Erlon Chaves). Anos depois, longe de se fazer de vítima – como fizeram Ziraldo e Jaguar -, Francis jactava-se de que nesse período pôde ler à vontade, sem ter que pagar credores ou administrar suas três namoradas – não…ele não era gay. Só lamentava quando o carcereiro escutava Wanderléa o dia inteiro, uma forma de tortura para seus ouvidos wagnerianos.
6- Numa banana fenomenal, Francis aceita trabalhar como freelancer para várias publicações
“Se colocarem uma moeda de 25 cents na minha boca, sai um artigo”, dizia Francis.
Paulo Francis chegou a colaborar com sete publicações diferentes. Visão, Tribuna da Imprensa, Pasquim e Status eram algumas dessas publicações.
Nessa época, corria à boca pequena que o jornalista terceirizava mão de obra para dar conta das encomendas. Desmentindo veementemente, ele retrucava, afirmando que se alguém colocasse uma moeda de 25 centavos na sua boa, ele cuspia um artigo. Achava que trabalhar era a melhor maneira de embromar a realidade da vida. “São Paulo estava errado e São João, certo. A salvação é pelas obras e não pela fé.”
7- Adorava a paródia que Chico Anysio fazia dele na TV
“Era perfeita em pegar meu sorriso, que não sei por que, juro, parece sempre contradizer o que estou dizendo, um sorriso dialético”, divertia-se sobre as imitações do saudoso Chico.
Francis abriu nova fase na sua vida ao entrar para o time de comentaristas da Rede Globo, em 1981, tornando-se uma figura extremamente popular graças às suas aparições nos telejornais de grande audiência da emissora. Humoristas passaram a imitá-lo à profusão. Francis considerava uma obra de arte a paródia feita por Chico Anysio. Sua experiência passada como ator amador ajudou-o bastante a compor o tipo televisivo. Certa vez, no Brasil um motorista de táxi perguntou se ele era o homem que falava aos “soquinhos” e começou a imitá-lo. Para Francis, o soquinha chama-se “fecho sonoro”, mas tudo bem… Ele curtia a fama. E dava risada de quem se divertia com ele.
8- Ele guardava na cabeça seu próprio texto, complexo e longo, e falava de improviso diante da câmera sem o teleprompter.
“Puta que o pariu!”, soltava a todo momento, o ensandecido Francis.
No meio da redação, com 15 pessoas trabalhando em volta, um telefone tocava, alguém falava, e lá se ia a concentração do Francis. Furioso, ele mandava seus PQP´s e recomeçava do início. Vê-lo gravar era um espetáculo à parte. A cada repetição, mil palavrões e Francis ficava cada vez mais brilhante, mais contundente e mais colérico com as interrupções. O resultado era uma torrente de palavrões, ditos com intensidade suficiente para abalar o centro de Manhattan. Você acha que é mentira? Acompanhe abaixo para ouvir a maior coleção de PQP´s da TV brasileira – e nunca foram ao ar, obviamente.
9 – Ajudou muitos colegas em momento de dificuldade, mas ninguém sabia disso.
“Francis era a pessoa mais querida da redação”, garante Jorge Pontual.
“Sempre com uma palavra carinhosa para cada colega de trabalho, ajudou a muitos, financeiramente, em momentos de dificuldade. Mas ninguém sabia disso. Ele exigia sigilo absoluto. Só depois que morreu ficamos todos sabendo da dimensão extraordinária da sua generosidade”. Lucas Mendes confirma os empréstimos ressalvando: “Mas não perdoava, cobrava.”
10 – Em 1986, Francis já discutia com estatólatras sobre reserva de mercado.
Francis polemizou nas páginas da Folha de São Paulo com o físico Rogério César de Cerqueira Leite sobre a lei de proteção ao mercado da informática, então nascente no país. Cerqueira Leite argumentava que a reserva era importante para o Brasil sair da condição de importador de computadores. Francis alertava que ficaríamos sem o know-how e as inovações necessárias para avançar na área. A história lhe deu razão, pois só com o fim da reserva, o Brasil pôde de fato se desenvolver no setor. À abertura da economia no Brasil era defendida por Francis, que acreditava que a globalização e o livre mercado poderiam ser saídas para a crise e o consequente sucesso econômico do país.
São apenas 10 razões escolhidas no palitinho, mas poderiam ser 30, 40, 50…100.
Paulo Francis comprou briga com Arnaldo Jabour, descascando os filmes nacionais. “O filme é uma merda, mas o diretor é genial”, provocara Francis, inspiradíssimo em sua coluna na Folha. Considerava Eduardo Suplicy um maluco e chamava-o pelo singelo e mordaz apelido de Morgadon, um poderoso sonífero – alusão aos problemas notórios apresentados pelo pai do Supla. Já naquela época, sabia que o PT era uma mentira, não respeitava a liberdade de expressão e vivia tentando silenciar os críticos à força. Adorava o poeta Walt Whitman e, vez ou outra, sapecava a clássica citação: “Sou contraditório, contenho multidões.”
Francis sabia rir de si mesmo. E adorava esculachar a esquerda, o que incomodava muito às fileiras dos partidos canhotos, já que Francis era um socialista nos idos de 60 e 70. Para ele, a tendência do intelectual é ser de direita, pois por definição é um elitista. E que a desconversa esquerdista não era compatível com quem toma banho todo dia. É verdade. A velha esquerda e sua rigidez ideológica encheram-lhe o saco. Uma de suas últimas grandes influências foi o economista Friedrich Von Hayek e sua obra prima, “O caminho da servidão”, de 1944. Um dos mais conhecidos libelos em favor da liberdade individual em oposição ao poder do Estado. Apesar de sempre defender o meio termo, Francis estava cada vez mais inclinado ao pensamento liberal.
Francis nunca teve filhos. Para justificar mais essa decisão, abusava da sua erudição; utilizava a última frase das “Memórias Póstumas de Brás Cubas” como resposta padrão: “Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”
Esse era Paulo Francis. Autêntico, polêmico, insubstituível e miseravelmente genial.

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