quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O Plano Real e a derrota da hiperinflação

*Hubert Alquéres

Miriam Leitão recebeu o prêmio Jabuti de melhor livro do ano por “Saga Brasileira - A Longa Luta de Um Povo Por Sua Moeda”. Nele fica claro o verdadeiro significado do Plano Real. Seu sucesso não foi apenas obra dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, mas principalmente o resultado de 50 anos de luta de um povo para ter uma moeda estável. Este patrimônio da nação teve seus alicerces construídos em fevereiro de 1994 – com a edição da Medida Provisória que instituiu a URV - e completa 20 anos em uma conjuntura onde a inflação voltou a preocupar os brasileiros.
Já se vai uma geração.  Muita gente não se lembra dos danos causados pela hiperinflação, sobretudo na vida dos mais pobres. Ela não afetava a todos de uma forma igualitária. Quem podia se defendia investindo no overnight, apropriadamente definido por Miriam Leitão como “uma caixa mágica de reprodução de dinheiro”, ou seja, um mecanismo em que uma minoria obtinha ganhos expressivos na ciranda financeira.
A mágica tinha um preço altíssimo. Basta dizer que em 1993, ano anterior à vigência do Plano Real, a inflação, medida pelo IPCA, foi de 2.477%. No início dos anos 90 os economistas consideravam um aumento mensal de 50% como piso da inflação! Por trás destes números estavam o desespero das famílias, a corrida louca aos supermercados, a estagnação dos emprego.  Era mais negócio investir na especulação financeira do que na produção.
O Plano Real trouxe a inflação para patamares civilizados.  Os brasileiros finalmente tiveram noção do valor de sua moeda e de seus rendimentos. Apesar de cinco crises internacionais, o governo de Fernando Henrique Cardoso pode avançar na estabilização da própria economia, adotando fundamentos que expressaram uma concepção de política de Estado. Não apenas deste ou daquele governo.
Este foi o sentido da adoção das metas inflacionárias, do superávit primário do câmbio flutuante, do saneamento do sistema bancário­; perversa e injustamente combatidos por Lula, pelo PT e pela esquerda jurássica. Torciam contra, com discursos e ações tentavam desmoralizar o Plano. Para eles, o Real era eleitoreiro, fadado ao fracasso num curto espaço de tempo. As lentes ideológicas levavam a chamar de “neoliberais” os fundamentos da boa política econômica, graças aos quais o Brasil adquiriu credibilidade no cenário internacional.
Quem diria! Em 2002, para se eleger, Lula divulgou a “Carta aos Brasileiros” na qual assumiu o compromisso de, no governo, manter os fundamentos da economia e de respeitar os contratos. De fato, particularmente quando a equipe econômica esteve sob o comando da dupla Palocci-Meirelles, os fundamentos da era Fernando Henrique foram mantidos. Às vezes de forma até mais radical, como aconteceu com o superávit primário, cuja meta foi ampliada já no início do governo Lula.
Desta forma o Brasil continuou nos trilhos, muito embora Lula não tenha aproveitado o céu de brigadeiro da economia mundial para aprofundar as reformas estruturais. Quando a maré internacional virou, o então presidente adotou uma política fiscal expansionista, para eleger sua sucessora.
A irresponsabilidade fiscal, o intervencionismo estatal, a “contabilidade criativa” e o represamento de preços de determinados produtos trouxeram de volta o risco inflacionário. A combinação do baixo crescimento com a inflação alta tem sido uma constante no atual governo.  A verdade nua e crua é que todos esses desacertos da política econômica do governo Dilma são percebidos a olhos nus pela comunidade internacional. Segundo os países do chamado G-20, o Brasil tem tudo para ser um dos epicentros de uma nova crise mundial, ao lado de outros países emergentes.
A saga brasileira, para utilizar a expressão de Miriam Leitão, pode ter, assim, um novo capítulo. Esperamos que não. Mas, se acontecer, somos otimistas quanto ao seu desfecho. As conquistas do Plano Real estão enraizadas na alma do nosso povo.  Ele saberá fazer suas opções para não voltar a conviver com o terror da hiperinflação.

Hubert Alquéres é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, conselheiro no Conselho Estadual de Educação e autor de “FHC, 80 anos”. Foi presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (2003-2011).

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