quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O poder de um simples bom dia

Camões Filho


         Trabalhei, ao longo de cinquenta anos, com os mais variados tipos de pessoa. Gente séria, brincalhona, comunicativa, introspectiva e muitos etc. Algumas foram marcantes e jamais as esquecerei. Outras passaram em brancas nuvens, o que me faz lembrar do poema de Francisco Octaviano:  “Quem passou a vida em brancas nuvens / E em plácido repouso adormeceu, / Quem não sentiu o frio da desgraça, /
Quem passou pela vida e não sofreu / Foi espectro de homem, não foi homem, Só passou pela vida, não viveu”.
         Confesso que vivi. O que me remete a outro poeta, Pablo Neruda, que escreveu em “Confesso que vivi”:
“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.  Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”
Lembrando-me dos meus antigos colegas de trabalho, aqueles que felizmente ainda aqui estão conosco, na labuta da vida diária, assim como de dezenas que já fizeram sua passagem para o outro lado do mistério, me vem à memória uma secretária. Uma pessoa de difícil convivência. Tinha dia que quando chegava pela manhã ao serviço, seu rosto se iluminava em um belíssimo sorriso, e ela me recebia com um sonoro “Bom dia!”, que soava como música aos meus ouvidos. Em outros dias ela cerrava o cenho e sequer respondia ao meu cumprimento matinal. Sem dúvida ela era acometida de transtorno dissociativo de identidade, popularmente conhecido como dupla personalidade.
Tem gente que não sabe o valor de um singelo bom dia, de seu poder de levantar a nossa autoestima e nos estimular no enfrentamento da lide diária. Sobre isso conto uma historinha.

Um operário trabalhava numa fábrica de distribuição de carne. Um dia, quando terminou o seu horário de trabalho, foi a um dos frigoríficos para inspecionar algo, mas num momento de distração a porta fechou-se e ele ficou trancado lá dentro.
Ainda que tenha gritado e batido na porta com todas as suas forças, não conseguia ser ouvido. A maioria dos trabalhadores estava já em casa ou no exterior da arca frigorífica e assim era impossível ouvir o que estava acontecendo lá dentro.
Cinco horas mais tarde, quando ele já se encontrava à beira da morte por hipotermia, alguém abriu a porta. Era o segurança da fábrica, que salvou a sua vida.
Tiritando de frio, perguntou ao segurança como foi possível ele passar e abrir a porta, se isso não fazia parte da sua rotina de trabalho. O segurança explicou:
“Eu trabalho nesta fábrica há 35 anos, centenas de trabalhadores entram e saem a cada dia, mas você é o único que me cumprimenta pela manhã e se despede de mim à noite. Os restantes me tratam como se eu fosse invisível. Hoje, como todos os dias, você me disse me deu ‘bom dia’ na entrada, mas não ouvi o seu ‘boa noite, até amanhã’ na saída. Espero o seu ‘bom’ e ‘até amanhã’ todos os dias. Para você eu sou alguém. Ao não ouvir a sua despedida, eu sabia que algo tinha acontecido. Procurei por toda a empresa, só restava a câmara frigorífica e lá encontrei você, graças a Deus”

E você aí, deu um sorridente bom dia às pessoas hoje?
Ah, e antes que encerre minha crônica... BOM DIA PRA VOCÊ!




CAMÕES FILHO, jornalista, escritor e pedagogo. E-mail: camoesfilho@bol.com.br

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