terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Taubaté era assim...


Camões Filho


Para a minha querida cidade de Taubaté, que neste dia 5 de dezembro comemora 367 anos.

Taubaté conta hoje com mais de 180 mil veículos. É muito carro para uma cidade tricentenária, com ruas estreitas, um trânsito caótico, ruas centrais apertadas e sem calçadas adequadas, com uma população de 300 mil pessoas que se espremem como podem.
Além da falta de visão e planejamento de nossas autoridades, alia-se o fato de que Taubaté experimentou um crescimento assustador há trinta, quarenta anos.
Quando era garoto, o bairro onde morava, a Vila São José, não tinha uma rua sequer asfaltada. A primeira via a receber asfalto foi a nossa, a antiga Rua 2, hoje Professor Bernardino Querido, graças a uma iniciativa do Sr. Justo dos Santos, que era nosso vizinho. Ele era presidente de um clube de futebol, o Nova América, pessoa muito querida no bairro, e saiu batendo de porta em porta, com um abaixo-assinado, para que a nossa rua fosse asfaltada. Lembro-me que os moradores, a esmagadora maioria trabalhadores de baixa renda, como meu saudoso pai, pagaram religiosamente pelo benefício em longas parcelas mensais.
Estávamos no final dos anos cinqüenta e, menino pobre, nem fiquei sabendo que o Brasil, que havia perdido em casa a Copa do Mundo, tinha se sagrado campeão do mundo pela primeira vez.
Estudava na escola na Casa do Menor de manhã. As tardes eram de brincadeiras naquelas ruas descalças e poeirentas, por onde não passavam um carro sequer. Em todo o bairro só um morador, Seu Cardoso, tinha carro, um velho Ford Bigode, que mal saía da garagem.
À tardinha ao ouvir o tilintar de um sininho, algumas donas de casa saíam no portão com uma caneca de ágata. Logo aparecia um senhor, cujo nome minha memória perdeu ao longo dos anos, tocando umas trinta, quarenta cabras. Ele parava no portão de cada freguês, ordenhava uma cabra, ofertando um leite espumoso, que diziam curava até tuberculose, uma doença que grassava à época naquelas vilas pobres, ceifando muitos pais de nossos coleguinhas.
Ele seguia tranqüilo com seu rebanho. Imagino essa cena nos dias de hoje, na Taubaté de 180 mil carros. O caos seria tamanho que viraria manchete no Jornal Nacional.
Tinha também o vendedor de quebra-queixo, de pães, o pipoqueiro, que passava sempre às quatro horas, o homem do biju, com um latão cuja tampa era um joguinho com pregos formando um tabuleiro. Se a roleta parava no número dois, por exemplo, a gente comprava um biju e levava dois.
Uma vez por semana vinha um mascate, um turco que vendia lençóis, colchas, toalhas. Foi dele que minha mãe comprou uma calça comprida preta – a primeira, quando aposentei as calças curtas, que era à época um rito de passagem – e uma impecável camisa branca, para a celebração de minha Primeira Comunhão, que foi ali naquela capelinha da Avenida Faria Lima, que naquele tempo chamava-se Cavarucangüera. Com trema e tudo, antes da reforma gramatical.
Havia também uma figura bastante popular, o amolador de facas e tesouras. Ele se anunciava com uma gaita. Parava numa esquina, e as pessoas chegavam com suas facas cegas. Vi muitas donas de casa de avental que tinham suas facas amoladas e corriam pra cozinha, para fatiar a mistura do dia.
Ele vestia um paletó surrado, calças largas, camisa cáqui e precatas de couro. Na cabeça um chapéu de abas caídas, que cobriam seu rosto, escondido atrás de uma barba ralinha. Sua bicicleta era seu meio de transporte e sua “oficina”. Com o pedal ele acionava uma tira de couro que fazia girar um esmeril, onde ele afiava as facas assobiando uma antiga canção.
Taubaté era assim, gostosa como aquele pãozinho que o padeiro nos trazia, ainda quentinho, numa época onde não havia padarias, carros nem maldade naquele povo simples, mas feliz.

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Camões Filho, jornalista, escritor e pedagogo, é membro titular da Academia Taubateana de Letras.
E-mail para contato com o autor:  camoesfilho@bol.com.br





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