Taubaté um dia foi totalmente diferente do que é hoje. Acho que de uns quarenta, cinqüenta anos restaram apenas as ruas apertadas que ainda persistem, mesmo com a cidade hoje com mais de 170 mil carros.
A Taubaté de antanho perdeu-se na poeira do tempo. Como a nossa própria cidade, de quando éramos crianças ou mesmo mais jovens, que também já não existe mais.
Cadê a Taubaté do apito da nossa fábrica de tecidos, a velha CTI, que empregou metade da cidade e a outra metade tinha algum parente ou amigo lá trabalhando? Cadê os operários da Juta, com suas bicicletas e garrafinhas de café no bolso de trás? Onde estão a Studenick, a fábrica de Louças Santa Cruz, a de Tintas Vera Cruz? Cadê a fábrica de Açúcar Pérola, que trazia um pacotinho com balas açucaradas, que adoçavam a nossa infância?
Pode procurar como agulha no palheiro e não vai achar jamais os cinemas Urupês, Metrópole, Boa Vista. Nem o Cine Palas, com seus domingos de sonho e fascinação, do Mercurinho com os saudosos desenhos de Walt Disney, as tardes dos matinês com seus seriados e filmes de faroeste, onde desfilavam heróis e bandidos, logo depois da troca de gibis ali na calçada do saudoso cinema. Já não existe mais o Cine Odeon, que funcionava no prédio da antiga Difusora, onde toda quinta-feira havia uma invasão de monstros japoneses, entre os quais Godzilla reinava triunfante nas bizarras cenas em preto e branco.
Você pode ficar aguado, mas nunca mais irá comer o melhor quibe do mundo, do Bar Pilar. Pode riscar também do cardápio o croquete e a laranjada do Bar Bello, que a gente degustava lendo “A Gazeta Esportiva” dependurada em ganchos na parede. Você não irá mais rodopiar pelo velho barracão da Associação dos Empregados no Comércio de Taubaté, ao som do Biriba Boys, Ritmos OK, Tropical Ritmos e outros conjuntos que faziam o fundo musical de nossas vidas. Nunca mais irá dançar no velho salão do Sesi, onde a gente subia uma escada de madeira que rangia ao som de dolentes boleros.
O Bar do Alemão é apenas um retrato na memória. Seu chope gelado, sua maionese de batata, tomate e frios, a salsicha com a indefectível mostarda preta e um pão torradinho, estão presos em um tempo em que a gente saía apenas para curtir a vida, namorar, papear com os amigos, quando a maior violência era ver alguém discutindo futebol.
Bem ao lado do bar havia o serviço de alto-falante onde Cid Moreira, ainda mocinho, nos brindava com os sucessos da época, rodando seus discos de vinil, chiando numa velha pick-up RCA Victor, enquanto as moiçolas passeavam pela calçada ao redor da Praça Dom Epaminondas, rodopiando com suas saias plissés.
Não saia domingo à noite pensando em ir à sessão das sete do Palas e depois ficar por ali, rodando entre o cinema e a praça, na paquera, onde nasciam todos os namoricos. Depois, tomando um inesquecível frapé de coco na Sorveteria Raphael, roubar um beijo da primeira namorada.
Já não existem mais as tardes domingueiras no velho campo do Taubaté, quando a gente ia torcer pelo Esporte, triunfante com sua camisa alvi-azul zebrada.
Cadê aquela Taubaté do Ginásio Taubateano e do Olegário, do Bosque, ali em frente do Fórum, onde preguiças passavam o dia espreguiçando-se pelos galhos das muitas árvores com sua generosa sombra?
Cadê o trem que não vem, pra gente ir à Festa de Tremembé? Onde estão Dito Martelo e Júlio Guerra, para contar suas histórias e a gente fingir que acredita em suas proezas?
Você pode procurar essa Taubaté de lanterna na mão, feito um Diógenes, que não vai encontrar. A menos que apareça por aí um cientista maluco e nos leve de volta para aquele tempo de felicidade e inocência, quando a gente curava certos males com as meizinhas do raizeiro Calabró ou as pílulas mágicas da farmácia do Vanorden.
Onde está a Taubaté da Casa Rabelo, da Papelaria Oliveira, da Camisaria Siqueira, do Foto Rezende rivalizando-se com o Foto Ásia? Alguém sabe da Casa Dantas, da Ducal, da Marlon Modas, da Sapataria Paolicchi, do Trocadero?
Está viva apenas em nossa memória aquela Taubaté do Paris Café, das casas Fonque e Mansur, da Padaria Suíça Vitória e sua inesquecível bomba de chocolate. A gente já não toma mais os guaranás Jaty e Joaninha, a água mineral Magna ou o Café Victória, que era delicioso, pois o resto era história, como dizia seu velho reclame.
Ficou perdido no tempo o mais saboroso caramelo, da fábrica de doces Embaré. Já não há mais, também, os doces Francano, a fonte Imaculada Conceição, onde às vezes a gente subia o morro só para matar a sede ou trazer garrafões de água.
Procuro e não encontro o Bar Ubirajara e sua famosa quadra de bocha. Cadê a fábrica de camas Liete e o campo do Nova América, que eram vizinhos na Vila São José?
E os bares Hippie e Sky, que lado a lado lutavam para conquistar os jovens, na saída dos bailes e brincadeiras dançantes, com seus lanches incríveis? Um dia eu curtia o xis-bacon do Sky, no outro o xis-burger do Hippie, do saudoso Tremendão, que um dia deixou Taubaté para encontrar a morte da mais trágica forma.
Cadê o jornal A Tribuna, onde a gente curtia a coluna do Agê e as fofocas esportivas do Bolívar Guisard, que assinava como Ravilob?
Cadê o programa “Conversando com a saudade”, conduzido com maestria pelo Alcino de Oliveira Santos, onde ele apresentava sucessos do passado e lia as maravilhosas crônicas do saudoso Emílio Amadei Beringhs? Cadê os vozeirões do Silva Neto e do Robson Baroni, nos encantando na frequência da Rádio Difusora? Cadê o irmão do Robson, o Márcio, com sua boite 720?
Esta era a nossa Taubaté, que nos escapou pelas mãos e foi levada através da areia da ampulheta, que de modo inexorável, nos roubou o encanto de uma cidade que não existe mais...
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Camões Filho, jornalista, escritor e pedagogo, é membro titular da Academia Taubateana de Letras.