De forma a selar a Judicialização da Saúde, o Supremo Tribunal Federal sinalizou recentemente que irá analisar se cabe ao Poder Judiciário intervir quando um ente federado deixa de aplicar recursos orçamentários mínimos na saúde pública, enquanto não for editada a lei complementar que fixará percentuais, critérios de rateio e normas de fiscalização, como estabelece o parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal.
Na visão do Ministério Público Federal, parte em um Recurso Extraordinário em que são partes contrárias a União e o Município de Nova Iguaçu (RJ), o Poder Judiciário tem legitimidade para atuar no sentido de dar efetividade à Emenda Constitucional 29/2000.
A Emenda Constitucional 29/2000 atribuiu à União a possibilidade de suspender o repasse de recursos decorrentes de receitas tributárias aos estados, Distrito Federal e municípios que não cumprirem a aplicação mínima dos percentuais constitucionais em ações e serviços públicos de saúde com base no artigo 198, parágrafo 2º, incisos II e III, da Constituição Federal.
Assim, em tese, a regulamentação da Emenda Constitucional 29/2000 inibiria o mau uso do dinheiro público, uma vez que seu texto dispõe sobre as formas que a União, estados e os municípios devem gastar seus recursos no setor de saúde. Porém, a letra da lei dificilmente se transformará em realidade.
No Brasil, país em que a corrupção e vantagens pessoais caracterizam forte traço cultural, a publicação de uma lei não é sinônimo de mudança. Essa afirmação encontra eco no que se refere aos responsáveis pela gestão do dinheiro público. Há bons gestores públicos na área da saúde, indubitável – entretanto, essa não é a regra.
A emenda deixa claro em seu texto que para a aplicação dos valores mínimos quer pela União, estados e municípios são inequívocas. Não há espaço para interpretações análogas que resultem no desvio de verbas. Está definido que o gasto público será com as ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito – por que não se cumpre?
No caso julgado no Supremo, por exemplo, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o município de Nova Iguaçu e a União para ver cumpridas as regras constitucionais relativas à aplicação de recursos orçamentários mínimos no SUS relativamente aos anos de 2002 e 2003. A ação foi julgada parcialmente procedente em primeira instância, quando o juiz federal determinou que o município incluísse, no orçamento dos anos subsequentes à prolação da sentença, R$ 2,6 bilhões e R$ 1,4 milhão, respectivamente, corrigidos monetariamente sem prejuízo da aplicação do percentual mínimo constitucionalmente estabelecido.
O juiz determinou que os recursos fossem depositados no Fundo Municipal de Saúde e efetivamente utilizados. O magistrado determinou ainda que a União acompanhasse o cumprimento de sua decisão, condicionando o repasse de recursos referentes à repartição de receitas tributárias à comprovação, por parte do município, do integral atendimento da sentença.
A União apelou ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região e conseguiu derrubar a sentença. Para o tribunal, é inviável que o Poder Judiciário substitua a União para condenar municípios e ela própria a determinadas obrigações que ainda dependem de regulamentação.
A Justiça Federal considerou que a sentença violou o princípio constitucional da separação dos Poderes, pois não se justifica a atuação do Judiciário no caso, por caracterizar ativismo judicial. Independente de julgar a conduta da União em defender o indefensável, é válido dizer a arrecadação no país é suficiente para que municípios, estados e União cumpram a previsão mínima de gasto com a saúde pública.
Seria necessário resolver um problema, antes mesmo de obrigar os entes ao investimento mínimo na saúde: punição rigorosa para os que continuam a usar a máquina e o dinheiro públicos para transformar, por exemplo, uma compra de medicamentos superfaturados em forma de enriquecimento ilícito.
Todas as semanas, a imprensa noticia alguma nova fraude envolvendo o desvio de recursos da saúde. O uso de empresa fantasmas para justificar o desvio de recursos públicos da saúde; notas fiscais frias; superfaturamento na compra de materiais e equipamentos; materiais adquiridos que não chegam a seu destino; contratação irregular de profissionais da saúde (médicos, enfermeiros e dentistas); acúmulo irregular de cargos; nepotismo; fraude no pagamento de cargos comissionados; fraudes em processos licitatórios. Enfim, uma gama de procedimentos irregulares que servem maquiar atos de improbidade em pequenos ou grandes municípios ou estados do país.
Infelizmente, o Poder Judiciário vem cumprindo o papel de legislador e até mesmo de Executivo para se fazerem cumprir as leis, a moral e a sobrevivência.
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