Rafael Cervone*
Desde a crise internacional de 2008, nações desenvolvidas, como os Estados Unidos, que haviam optado, na década de 90, por abrir mão da sua indústria, importando e/ou produzindo fora do país e focando seu crescimento em serviços e tecnologia, estão revendo essa estratégia. Constataram ser muito mais difícil gerar empregos em escala e com salários médios mais elevados sem a presença da manufatura.
Tal percepção é corroborada por recente estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp: dentre as nações mais relevantes em termos de renda, produção e número de habitantes, todas as que conseguiram dobrar o PIB per capita em menos de 15 anos, de US$ 10 mil para US$ 20 mil, o fizeram com uma participação da indústria de transformação acima de 25% e uma taxa de investimento superior a 30% do Produto Interno Bruto. No Brasil, esse índice era de apenas 13% em 2012. Aqui, a atividade é premida por custos e entraves que tornam a produção nacional 34,2% mais cara do que nos países com os quais concorremos.
Nosso país segue na contramão do fortalecimento da indústria. O ambiente de negócios hostil ao empreendedorismo e à competitividade é bastante perceptível na área têxtil e de confecção, uma das maiores geradoras de emprego da manufatura nacional. Em 2012, o setor movimentou US$ 744 bilhões em transações entre países (fonte: OMC). Em 2020, serão cerca de US$ 850 bilhões (fonte: Abit). O Brasil, mesmo sendo a quinta maior indústria têxtil do mundo e a quarta de confecção, tem seu imenso potencial no comércio internacional extremamente prejudicado, oferecendo ingenuamente seu também poderoso e desejado mercado interno aos seus concorrentes asiáticos, os quais, principalmente os chineses, lideram todas as estatísticas internacionais do setor, incluindo o comércio exterior.
A atividade têxtil e de confecção emprega 1,7 milhão de pessoas no Brasil, das quais 75% são mulheres. No contexto da manufatura, a indústria da moda é o segundo maior empregador e também o segundo maior gerador do primeiro emprego. Existem mais de 100 escolas de cursos livres, técnicos, graduação e pós-graduação. O faturamento anual é de aproximadamente R$ 130 bilhões, através de 30 mil empresas. O pagamento anual de salários soma R$ 14 bilhões e os investimentos são, em média, de R$ 5 bilhões a cada exercício. Em 2013, foram R$ 7 bilhões em contribuições federais e impostos recolhidos.
Nosso país está entre os oito maiores mercados consumidores de vestuário, cama, mesa e banho do mundo e é o que mais cresceu nos últimos dez anos. Porém, esse mercado é cada vez mais suprido por produtos importados. A compra de vestuário estrangeiro aumentou 24 vezes na última década, saltando de US$ 148 milhões para US$ 3,5 bilhões. Quinze por cento da demanda total é abastecida por produtos importados, sendo que, dez anos atrás, esse índice era de apenas 2%. No varejo de grande superfície, a proporção dobra e seu viés é de crescimento.
Sufocados em nossos velhos e conhecidos custos e entraves internos, perdemos mercado para os fabricantes estrangeiros. Esse diagnóstico da área têxtil assemelha-se aos de outros numerosos setores industriais, afetados por crescente perda de competitividade. Por isso, entendemos que o próximo governo precisa priorizar a recuperação da capacidade do País de concorrer no comércio global, incluindo a recuperação da produtividade. Nesse sentido, documento entregue aos candidatos à Presidência da República pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) preconiza algumas medidas.
Dentre as sugestões, incluem-se: simplificar as relações trabalhistas; reduzir burocracia e aumentar a segurança jurídica; modernizar a gestão pública e reduzir o custeio da máquina administrativa; diminuir a carga tributária a 28% do PIB, à razão de um ponto percentual por ano, nos próximos oito anos; eliminar a tributação sobre o investimento, permitindo a apropriação imediata do crédito de ICMS na aquisição de bens de capital ou outros bens diretamente utilizados na instalação ou modernização das plantas, no âmbito de uma ampla reforma tributária.
No tocante ao comércio exterior e tratados internacionais, sugerimos acelerar as negociações de modo pragmático, especialmente com União Europeia e México. Com os Estados Unidos, é pertinente enfatizar as negociações e promover acordo bilateral nos moldes do “Trade and investment Framework Agreement”, primeiro passo para um acordo mais profundo de livre comércio. Para os produtos importados, defendemos que se solicite demonstração prévia do cumprimento de todas as exigências legais a que são submetidos os nacionais, como aspectos ambientais, de saúde, trabalhista e de segurança.
Finalmente, de modo mais específico para o nosso setor, sugerimos: aprovar o RTCC (Regime Tributário Competitivo para a Confecção), cujo objetivo é viabilizar o retorno de grandes unidades de produção de confecções com escala, gestão e competitividade suficientes para enfrentar a concorrência externa e ser o principal fornecedor das empresas varejistas nacionais e internacionais; e manter e aprimorar os programas de fomento do BNDES, em especial o Pro-Design, reduzindo o valor mínimo financiável, atualmente em R$ 3 milhões.
Mais do que necessário, fortalecer a indústria é o caminho preciso e seguro para o Brasil retomar índices mais expressivos de crescimento do PIB e, como fizeram tantas nações, alcançar o grau de desenvolvimento tão desejado. Por essa razão, é decisivo que os governantes comprometam-se com as mudanças necessárias e rápidas para corrigir os problemas, dando atenção às medidas identificadas pelos setores produtivos e a sociedade.
*Rafael Cervone, 46, é o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e presidente em exercício do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).
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